segunda-feira, 1 de julho de 2019

Exemplo de criação de personagem em Everway

Você não precisa de kit multimídia para jogar Everway.

     Para quem não sabe, Everway é um RPG bem a frente de seu tempo, lançado em 1995 e desenvolvido por Jonathan Tweet (o mesmo carinha genial por trás de Ars Magica, juntamente com Mark Hein-Hagen) e lançado sob selo da (até então) novata Wizards of the Coast, que em 1993 já estava deslanchando com o seu Magic: The Gathering. Everway chama atenção por 3 grandes motivos: primeiro, era um RPG que não usava dados, depois, sua apresentação era bem bonita, formatado numa enorme caixa (hoje em dia, tem cara de jogo de PC para Windows 95, o que não tira o seu charme, certo?) e por último, uma criação de personagem bastante livre que se alimenta COLOSSALMENTE da sua imaginação. 

Para ilustrar esse aspecto de design, no post de hoje, resolvi criar um personagem "do zero". Mas, antes de tudo, qual a premissa desse RPG tão original?

     Em Everway, os personagens são Spherewalkers. Se você conhece Magic: The Gathering, eles são bem próximos do conceito dos Planinautas: possuem a capacidade inata de viajar entre os Planos, no caso, as Esferas, como os mundos de existência em Everway, são denominados. Os Motivos que os fazem viajar entre as Esferas são inúmeros: acumular riqueza ou conhecimento, vigiar os planos, procurar um artefato ou alguém específico, encontrar um amor perdido, vingança, enfim: qualquer motivo é válido. Everway também é sobre heróis. Não podem montar vilões ou monstros. Pode ser um anti-heróis, ou um herói falho, mas ainda assim, será um herói. Tenham isso em mente. Vale comentar também que apesar de tratar de fantasia medieval, Everway não possui aquela estética europeia saturada. Muito pelo contrário: explorando etnias pouco representadas nos jogos por aí. Há personagens e ilustrações com características africanas, chinesas, indianas, aborígenes, entre outros. Provavelmente, focando em povos que exploraram bastante a existência de outros mundos e realidades. Um personagem em Everway, pode ser construído seguindo as etapas abaixo:   

1o passo: Visões

Saque aleatoriamente, 5 Vision Cards: cartões ricamente ilustrados que visam inspirar tanto o jogador, quanto o Narrador. Atrás dessas mesmas cartas, há perguntas para instigar a imaginação. Mas não irei precisar sondar esse recurso. Posso muito bem olhar para as artes e puxar elementos dramáticos diretamente dali. Veja abaixo, as cartas que eu saquei: 


Beleza, estudei as cinco cartas e procurei estabelecer relações entre elas. Pegarei a segunda carta para ilustrar a aparência do meu personagem. Será um místico, definitivamente. Já a primeira carta, eu vejo o passado dele: pensei dele ter sido encontrado num vale, aprisionado por um crime ao qual não se lembra. Aquele lá atrás, decidi que era um xamã que vivia no vale e me resgatou da morte certa. Ele enxergou minha aura e viu que eu merecia uma segunda chance. Seus motivos? Ele podia estar morrendo e precisava passar seus ensinamentos. A terceira carta me fez vir a mente, um vilarejo construído nas ruínas de uma antiga fortaleza. Algo destruiu essa fortaleza. Humm...quem sabe fui eu quem a destruiu? Decido então que estranhamente, tal incidente ocorreu há 500 anos atrás. Será que fiquei 500 anos acorrentado ali? Pode ser: os heróis de Everway não tem nada a ver com personagens nível 1 de outros RPGs. Pelo contrário, eles possuem aspectos míticos e lendários mesmo. A quarta carta, interpretei como o povo e animais da região fazendo uma espécie de convocação. Eles estão me chamando/convocando. Precisam de ajuda para lidar com algum problema que os assola. Perfeito para minha quinta e última carta: uma criatura mágica está atacando a região (nesse caso, um grifo lendário ao qual o Mestre pensará a respeito mais pra frente). Eles precisam da minha ajuda e essa será minha primeira Quest. Não necessariamente preciso MATAR o grifo. Posso expulsá-lo da região, ou mesmo torná-lo aliado. A história contada na mesa, e claro, as cartas sacadas na ocasião, irão determinar o desfecho dessa Quest.

2o passo: Identidade

Saque 6 cartas aleatoriamente do Fortune Deck e coloque-as seguindo a disposição abaixo:


A carta do topo, deitada, ilustra o seu Destino (Fate, no original). As duas cartas abaixo dela, definem Virtude e sua Fraqueza. Perceba, entretanto, que a carta de Fraqueza, deve ser girada de cabeça para baixo, com o objetivo de mostrar o aspecto negativo da carta. Na base da pirâmide ficam dispostas as cartas que definem Passado, Presente e Futuro. Vamos ver como ficou a do meu personagem?

Destino: Natureza – ok, esse será meu vaticínio. O que eu penso num desfecho ligado a Natureza? Talvez eu aprenda a viver em equilíbrio perfeito com ela. Talvez me torne uno com ela, ou simplesmente as forças da Natureza possuem um plano misterioso para mim.

Virtude: Phoenix – renascimento, segunda chance. Totalmente ligado com o backgound que montei lá em cima. Meu personagem aprende com os erros. Provavelmente, meu mentor xamã, enxergou esse potencial em mim.

Fraqueza: Shallowness – visão curta. Não enxergar a longo prazo. Essa “miopia” pode trazer muitos problemas para o meu personagem. Não ler as verdadeiras intenções de novos inimigos ou mesmo, de possíveis aliados. Ele pode ser um tanto paranoico ao se deparar com novidades e os NPCs devem se provar dignos de confiança para ele.

Passado: Protective Mesures turn Dangerous – novamente, rima com o meu background. Pensei no seguinte: o motivo que eu destruí a Fortaleza de Abdera, foi para ela não cair nas mãos inimigas, depois de uma batalha aparentemente perdida. Infelizmente, a filha de algum grande nobre ainda estava em umas das torres. Ela morreu no incêndio e fui condenado. O que já me ajuda a definir a Motivação do meu Personagem: Redenção.

Presente: The Lion – além de coragem, o leão demonstra que me personagem está sadio e em plena forma. Está confiante para sua nova etapa de vida.

Futuro: The Soldier – meu personagem será necessário em uma grande batalha que está por vir. Meu papel será crucial. O papel do soldado é defender sua terra. Lutar por quem não pode se defender.

3o Passo: Forças

Agora, tenho 20 pontos para distribuir entre os meus atributos, que são: Terra (que representa poderio físico, saúde e resistência), Ar (que representa o raciocínio, oratória e intelecto), Fogo (que representa a ação, força e agilidade, é o poder de combate aliás) e por último, a Água (que representa os sentimentos, intuição e sensibilidade). 

Vou colocar 4 em Terra, 4 em Ar, 3 em Fogo e 6 em Água. Os 3 pontos que sobraram, vai 1 para Poderes e 2 para Magias.

Vou pegar 2 Poderes: Não envelhece (custa 0pt) e Lampejos do Futuro (1pt). De Magia, pegarei Cálice Aberto (baseado no elemento Água) nível 2 (custo de 2pts), que me permite enxergar auras, energias e perceber distúrbios ao redor. Resultado esse, do meu treinamento com o velho xamã.

4o Passo: Especializações

Para cada atributo, escolha uma especialização. Vou ficar com as seguintes: Terra (resistência a venenos), Ar (conhecimento das Esferas), Fogo (escalar) e Água (furtividade).

5o Passo: Perguntas e Respostas

     Nessa última etapa, você deve fornecer um nome para o seu personagem e responder uma pergunta de cada jogador na mesa. Cada um deles, pode olhar as suas cartas de visões e fazer perguntas específicas que atiçarem sua curiosidade. Por exemplo, no meu personagem, um jogador poderia perguntar quais são as propriedades místicas do incenso que aparece na imagem do meu personagem. Outro jogador poderia perguntar o que eu carrego comigo. Ou então o nome dos meus pais. Anote todas as perguntas e respostas em sua ficha. Isso será material para o Narrador trabalhar. Por fim, meu personagem se chamará O Segundo Auramante, sendo sucessor de meu mestre. Em Everway os personagens possuem nomes bem inventivos. Dançarino, Obscuro, Ventania, Filha da Lua ou Bronze, são nomes adequados, para citar alguns exemplos. Tente pensar em algo único, que possa refletir tanto a personalidade, quanto suas habilidades.

Pronto! O Jovem Auramente está pronto para sua primeira Jornada. Em breve, pensarei até mesmo em usar as regras de Everway combinadas para o cenário de Planescape. Farei um relato dessa experiência aqui no blog. Por fim, não deixem de escutar o ótimo episódio do Café com Dungeon sobre Everway!

Como a WOTC já estava colhendo frutos de seu recém-lançado Magic: The Gathering (em 1993), Everway ainda recebeu uma expansão na forma de boosters que vinham artes aleatórias para completar uma coleção de 90 novas artes, entretanto, como sabemos, Magic foi (e ainda é) um enorme sucesso comercial, e o nosso querido Everway não colou. No mais, é possível encontrar essas cartas no Ebay a preços bem baixos, apesar do frete salgado. Há também quem utilize as cartas do boardgame DIXIT (e suas respectivas expansões) para ampliar o leque de artes e inspirações. 

Para concluir, Everway é um jogo lindo, único em proposta e design e por mais pretensioso que possa parecer, ter estampado isso em sua capa, realmente é um jogo visionário (em todos os sentidos). Se tiver a chance de experimentar, não a deixe escapar. Ah, e não esqueça de ler esse material (e até narrar Everway) com a trilha sonora dos jogos Myst. Me agradeça depois.   

Abraço a todos e bons jogos!