Capa de Jeff Easley é sempre sucesso. |
Desde os anos 90, quando tive
meu primeiro contato com Forgotten Realms, que foram lançados por aqui em dois
conjuntos em bancas de jornal, eu quis ler a tão falada Trilogia do Avatar ou
Guerra dos Avatares, como chamavam alguns. Mas sabe como é, os anos passam
muito rápido, e quando você vê, tem pilhas de coisas lacradas na prateleira,
livros nunca lidos, RPGs nunca jogados. Pois bem, ano passado finalmente adquiri
a trilogia (que hoje em dia, tem mais dois livros complementares) e li o primeiro
romance, chamado Shadowdale.
Shadowdale foi lançado em 1989, juntamente com o AD&D 2ª edição, que havia sido repaginado e reformulado para abraçar mais uma nova geração de jogadores. Uma série de mudanças foram feitas no CORE do jogo, logo os romances deveriam acompanhar essas mudanças. Saíram os psiônicos, os assassinos, meio-orcs, e demônios e diabos foram transformados em baatezu e tanar´ri para sua mãe não queimar seus livros de RPG...Enfim, sob o pseudônimo de Richard Awlinson, o autor Scott Ciencin e no terceiro livro, Troy Denning (sim dois autores sob a alcunha de um único pseudôninmo) , receberam a missão de apresentar o novo AD&D em forma de romance e também, as mudanças em Forgotten Realms, cenário que estava ganhando muita força na época, e que como sabemos, perdurou de fato. Bom, hoje eu terminei o primeiro livro e segue minha resenha abaixo, repleta de SPOILERS:
A premissa da saga
O livro é o pontapé inicial
do que viria a ser conhecido como o Tempo das Perturbações (Time of Troubles
no original), no ano de 1358 pela contagem dos Vales(CLIQUE AQUI para ver
os principais acontecimentos desse ano, caso queria montar sua campanha nesse
período). A trama tem início quando Ao, o deus todo poderoso de Forgotten
Realms, pune todo o panteão (exceto Helm) pelas ações de dois de seus deuses. Ele
exila as divindades para o plano material, onde quase inteiramente desprovidos
de seus poderes divinos, são forçados a habitar corpos mortais como castigo.
Caso esteja se perguntando, a tal ação é o Roubo das duas Tábuas do Destino por
parte de Bane e Myrkul, artefatos de grande poder onde estão talhados os portfolios
de cada deus, além delas manterem o equilíbrio perfeito entre Ordem e Caos. Erroneamente,
eles acreditam que essas sãos as fontes de poder de Ao. Ledo engano. A Helm, Ao
o incube de proteger as portas das Escadarias Celestiais, acessos divinos por
onde os avatares poderão ascender eventualmente, se conseguirem recuperar as
famigeradas Tábuas do Destino. Naturalmente, todos esses eventos engatilham diversos
fenômenos mágicos e caóticos por Toril: chuvas estranhas, cristalizações de
montanhas, templos explodindo, magias divinas que só funcionam se o clérigo
estiver no mínimo à 1 quilometro de seu deus e à introdução da Magia Selvagem,
ilustrando mecanicamente, a instabilidade da Trama Mágica que envolve o mundo
do jogo.
Os Personagens
Midnight (humana, maga) – tendo o nome real revelado no meio do livro, Midnight inicia a história fugindo de seu antigo grupo de aventureiros, depois de roubar papiros contendo informações importantes. Na fuga, ela é auxiliada pelo própria Mystra. Em débito, ela oferece toda a ajuda para a fé de Mystra, no que a deusa precisasse. Ao longo da história ela torna-se uma peça importante para os planos de Mystra, recebendo cada vez mais poder da deusa da magia para completar sua missão e impedir a vitória de Bane.
Kelemvor (humano, guerreiro) – um dos personagens mais complexos, Kelemvor, parece até personagem de Raveloft, pois vem de uma linhagem amaldiçoada de nobres. Um antepassado seu, recusou-se a ajudar uma antiga feiticeira e foi amaldiçoado a se tornar uma pantera negra toda vez em que pedisse qualquer tipo de recompensa. Entretanto, a maldição foi sofrendo alterações mágicas até o próprio Kelemvor, que em sua versão atual, para ajudar alguém, ele DEVE pedir recompensa sempre. O quê num primeiro olhar, para as pessoas ao redor, fica parecendo que o personagem só age por pura ganância. Um plot-twist bem interessante que é bem desenvolvido ao longo do livro. Aos poucos, quando a verdade vem à tona, Midnight acaba se envolvendo romanticamente com o guerreiro, por ver que ele de fato é um homem honrado e fiel. Até sua aparente misoginia é explicada por sua desconfiança de mulheres e magia, tendo em vista que foi uma maga que condenou os homens de sua família. Quem quiser conferir a cena dele explicando toda a origem da maldição, só ir na página 223 do romance. Quem conhece bem o panteão de Forgotten Realms da 3ª edição, já deve ter ideia do que acontece com ele no final da trilogia.
Adon (humano, clérigo de Sune) – Adon, é um personagem que cresce também. Sempre idealista, (e até um pouco ingênuo), Adon, fica chocado com os eventos que baniram os deuses, ele se decepciona com os deuses e se sente abandonado por Sune. Ao longo da trama, ele vai vendo o que outros deuses estão fazendo (ou não fazem) com seus adoradores e vai se tornanado cada vez mais apático. Para o meio do livro, ele recebe um ferimento que o deixa com uma cicatriz no rosto, comprometendo completamente sua fé na deusa da beleza e do amor, e ilustrando de maneira figurada sua cisão na fé, que provavelmente será restabelecida nos próximos livros.
Cyric (humano, ladrão) – Cyric é aquele personagem ambíguo que funciona. Nascido e criado nas ruas de Zhentil Keep, ele é manipulador ao extremo e é um personagem que sabemos que vamos amar odiar. No início da trama, ele está trabalhando juntamente com Kelemvor, para a guarda local, que está precisando aumentar seu contingente nesses tempos nefastos. Novamente, quem conhece bem o panteão de Forgotten Realms, também sabe que fim Cyric terá ao término do Tempo das Perturbações.
A trama
Já no plano material, nossos
personagens principais convergem para a cidade murada de Arabel. Lá, encontram
uma cidade bem soturna e sinistra, onde sempre está chovendo em suas ruas e
becos escuros. Nas tavernas, as pessoas estão com medo e já circulam histórias
e boatos de que há deuses andando por aí e que a magia está causando caos e destruição
em todos os lugares. O que estabelece um clima de paranoia muito bem-vindo ao
livro. Nossos personagens principais então, são reunidos por uma menina chamada
Caitlan Moonsong que diz que há uma donzela aprisionada num castelo negro, num vale
sombrio e que precisa ser resgatada urgentemente. Essa trama clássica, que soa até
genérica, se mostra bem mais complexa quando a identidade da tal donzela é
revelada. Sem saber da dimensão real de
sua missão, eles são levados para o resgate da própria Mystra (deusa da magia),
mantida refém por Bane (deus do conflito e da tirania). Depois de serem postos
à prova no Castelo Kilgrave, eles resgatam a Deusa da Magia e derrotam Bane,
ainda muito enfraquecido e desacostumado com o corpo mortal. Mystra então, ruma
até uma das Escadarias Celestiais guardadas por Helm, mas é impedida pelo deus
guardião. Mystra enfraquecida, é derrotada, mas antes de ter a essência espalhada,
diz que o grupo deve rumar para o Vale das Sombras e avisar ao famoso Elminster,
o sábio, que as Tábuas do Destino devem ser encontradas e que não devem cair em
mãos erradas. Nesse momento, Midnight recebe mais uma fração do poder de Mystra.
A partir desse ponto, nosso
grupo vai atravessar diversas regiões onde a natureza está agitada e caótica, como
uma floresta onde todos sabem que é habitada por aranhas gigantes, mas ninguém
estava preparado para as versões mais bizarras e cruéis dessas criaturas, por
exemplo. Na real, quase rola um TPK nas Spiderhaunt Woods...kkkk. A
travessia da Shadow Gap, deve agradar especialmente leitores de wierd fantasy,
onde o grupo é quase engolido por estranhos movimentos das próprias montanhas.
Por fim, o grupo chega até o Vale das Sombras onde convencem Elminster que eles
resgaram Mystra e que ele precisa ajuda-los a localizar as tábuas. Além disso,
o tempo urge, pois Bane e seus lacaios estão marchando com um exército bem
maior para atacar o Vale das Sombras. Nesse tempo, o grupo desenha suas defesas
e em paralelo, Elminster detecta a localização da primeira tábua, em algum
lugar de Tantras, mas a segunda continua incógnita.
Os últimos capítulos, se dão pela famosa Batalha do Vale das Sombras onde os moradores, e até habitantes dos vales ao redor se unem para defender o coração da Terra dos Vales, com direito à participação dos Caveleiros de Myth Drannor, o grupo de aventureiros que fez seu nome no livro Spellfire (de 1988). Kelemvor liderando uma tropa de um lado do vale, Cyric fazendo o mesmo, de outro. Interessante a cena, onde os homens não sentem confiança em lutar ao lado do ladino, mas através de manipulação, ele os convence a ficar. A batalha final se dá com a revelação de que o tempo todo, Bane não tinha interesse no Vale das Sombras em si, mas sim, num acesso da Escadaria Celestial contida próximo ao Templo de Lathander. Elminster juntamente com Midnight, canalizam todo o poder para criar uma fenda mágica onde dela, sai ninguém mais, ninguém menos do que a própria Mystra, agora uma Elemental de Magia Primordial. Elminster cai na fenda, justo quando Mystra debulha o avatar de Bane. E exceto por Midnight e Adon, são tragados para a fenda que se fecha. A cena final são os Cavaleiros de Myth Drannor chegando até a cena da derradeira batalha arcana e decretando a prisão de Midnight e de Adon, pela morte (aparente) do Sábio dos Vales. Um gancho inusitado e meio bizarro, mas interessante de qualquer maneira. Realmente estou curioso para ler o segundo volume.
Nos anos 90, tivemos um suplemento descrevendo todo o Vale das Sombras. |
Conclusão
Shadowdale tem muitos
elementos bons, mas parece que temos um autor pouco corajoso, cujos personagens
ainda são reféns do acaso, possuindo pouquíssima autonomia (exceto Cyric, talvez).
Apesar de até serem carismáticos, eles apenas reagem às reviravoltas das tramas
e às ações de personagens adjacentes, ainda mais quando aparecem mega-NPCs como
Elminster e a própria Mystra. Talvez tenha sido uma decisão consciente de
mostrar os aventureiros no meio do "fogo cruzado" entre deuses, mas não sei se é
a melhor forma de fazer isso. Além disso, alguns diálogos são fracos, principalmente
nas cenas com Bane, que se mostra um senhor do mal caricato, como um mix entre Shao
Kahn (na aparência) com Shang Tsung (comportamento), almejando a alma de todo
mundo para ganhar mais poder, depois de um trato feito com Myrkul.
Uma curiosidade, é que em sua época de lançamento, três módulos de aventura (cada uma com o nome respectivo de seu romance) foram lançados, convidando seu grupo a fazer parte de fato, dos eventos que abalaram Toril. A galera costuma elogiar essas aventuras, mas fala que os personagens possuem pouca agência também, pois os eventos principais, pré-determinados, devem acontecer para que a trama siga para o próximo módulo. Por isso é importante que o DM lenha os romances e as aventuras de antemão para ter um "jogo de cintura", e que possa colocar a história de volta nos trilhos, assim que possível.
Jogue em AD&D ou adapte para sua edição favorita! |
É inegável que Shadowdale é um clássico, recomendado para todos os que amam Forgotten Realms e esse importante evento que até dividiu os fãs do cenário, mas que ainda assim é vital para entender sua timeline. Se for em busca desse material, sugiro procurar no Ebay e na Amazon americana. Sendo pockets, possuem preços bem justos por lá. Vale até mesmo para quem está buscando um primeiro livro para testar o inglês, pois realmente utiliza uma linguagem bem simples e direta, longe do faux-shakespeariano de Greenwood e de Gygax e até mesmo dos floreios dramáticos do Salvatore.
Abraço a todos e boa leitura!
Muito bom! Para mim, essa época foi o auge do RPG (embora, pelo que tenho lido, internet afora, o pessoal mais velha guarda, da época do D&D original, já considerava AD&D como uma fase decadente do hobby...)
ResponderExcluirMe adiciona no seu blogroll, Ranieri, para dar aquela força!
https://bardodanevoa.blogspot.com/
Opa, blz? Adicionei seu blog, mas não sei se sentirá muito diferença. A galera migrou para o Youtube. Eu mantenho meu blog porque sou teimoso e gosto de escrever num "cantinho" da internet. Quanto ao AD&D 2a edição, ele inegavelmente, marcou nossa era de ouro aqui no Brasil, lá fora, entretanto, já estava meio que entrando na era de prata já, por isso essa percepção lá na gringa. Grande abraço!
ExcluirValeu, amigo! Pra mim o importante é divulgar. Se eu conseguir 1 leitorzinho a mais já me sinto satisfeito! Sei que hoje em dia a galera migrou pro youtube, e não tenho pretensão de viver de blog e nem dos livros que escrevo (são só uma grana extra), mas também gosto de escrever num cantinho da internet, como você falou. No "mundo real" quase não tenho ninguém para falar sobre RPG, fora outros assuntos mais ligados a história e crítica literária que publico no meu blog.
ExcluirTem esses romances em pdf? Em inglês mesmo?
ResponderExcluirTem nas internets da vida sim, já vi por aí. Mas eu não consigo ler PDF.
ExcluirOlá Ranieri!
ResponderExcluirJá li essa trilogia e curti muito apesar de alguns problemas que você mesmo aponta. A introdução do romance é sensacional retratando os deuses. Sobre os personagens, tenho que destacar que achei o Adon bem chato, mas os outros são bem interessantes, principalmente o Cyric!
Sobre as aventuras estou mestrando a alguns meses essa campanha para um dos meus grupos. Ainda estou no primeiro livro, Shadowdale, perto da parte final quando o grupo vai resgatar Mystra no Castelo. O pessoal está gostando!
Pois é, eu agora fiquei com muita vontade narrar essa campanha. Adon, eu achei chato também, mas é interessante ver a percepção dele sobre os outros deuses, por exemplo. E depois que ele sofre o ferimento, ele meio que perde o pouco de fé que ainda tinha. Vamos ver onde o segundo livro irá levar o personagem.
ExcluirA campanha está send interessante, acho que vale a pena mestrá-la se seus jogadores estiverem dispostos.
ExcluirEm relação ao Adon, tem esse ponto do ferimento dele que justifica sua postura, pelo menos a chatice dele é algo com contexto e tal rs, senão seria insuportável demais.