Lady Artibeth, paladina de Tyr. |
De um tempo para cá, a discussão entre a técnica "show, not tell" ganhou força nos fóruns de literatura. Não é de hoje, entretanto, que esse papo rende frutos. Ora, décadas atrás, Michael Moorcock (renomado autor da saga de Elric de Melniboné), fora chamado de “anti-Tolkien” pela crítica especializada. Tal alcunha se deu principalmente pelo fato do autor utilizar com maestria a técnica do show, not tell (em português: mostre, não conte).
Não me entenda mal: isso não menospreza de
nenhum modo, o trabalho do professor Tolkien, mas pontua claramente, a existência de uma
outra técnica para transmitir informação (ou uma sensação) para o leitor. Adoro "O Senhor dos Anéis", mas já escutei amigos dizendo que não conseguiram passar das primeiras partes da Sociedade do Anel, pois
perdia-se muito tempo descrevendo em pormenores, os costumes dos hobbits, sua alimentação, a mentalidade do Condado, entre outros. Em suma, contando muita coisa, mostrando pouca.
Antes de prosseguir, porém, preciso delinear os termos propostos: CONTAR, opera com o abstrato. Costuma ser passivo, mantendo uma distância "segura" entre o leitor e a narrativa. O MOSTRAR, entretanto, opera com o ativo, com o concreto, marcado com uma escrita vívida e evocativa das coisas ao redor. Logo, se no primeiro caso, eu afirmo que fulano está irritado e sai pela porta, no segundo, ele bufa, aperta o passo e sai pela porta.
Mas qual é a relação dessa técnica na
literatura e na mesa de jogo? A saber, ela está ligada ao world-building da obra e geralmente rege o pacing da história. No RPG, O Mestre (assim como um autor/diretor), deve
transmitir informação e sensação para seus jogadores quando eles adentram uma
masmorra, quando eles cruzam os portões de uma nova cidade, um templo, etc. Às
vezes, tentando ser o mais cuidadoso possível e passar de maneira precisa, as
informações desejadas, o Mestre pode ser didático em demasia ou sobrecarregar
os jogadores com informações irrelevantes para a situação presente. Vamos para um exemplo narrativo prático disso?
Pense na
seguinte situação: os personagens chegam à Neverwinter. A famosa cidade está
tomada por uma epidemia mágica até então, desconhecida.
Vamos
estabelecer a cena nos dois moldes. Primeiro, focada em contar:
“Os portões
de abrem, revelando um cenário terrível. Vocês atravessam a rua pulando os
doentes que gemem enfraquecidos e tomados por pústulas esverdeadas. Os clérigos
abandonaram o templo, deixando todos os enfermos nas mãos de uma elfa paladina
chamada Lady Aribeth, que aguarda vocês no templo. A oficina de ferreiro está desativada também. Ele fugiu levando as
mercadorias e sua família. Antes que seja tarde demais.”
Agora, as
mesmas informações sendo transmitidas pelo mostrar:
O rangido
pesado das portas mostram que há tempos, elas não se abrem. O cheiro que emana
dos casebres e das vielas, mostram que a peste alcançou uma escala maior que
imaginavam. Um dos doentes rasteja na direção de vocês. Ele tenta dizer alguma
coisa, mas emite apenas um sussurro. No caminho avistam uma forja abandonada.
As ferramentas no chão, são a prova que de que deixaram a oficina às pressas. Quando
chegam ao templo, percebem que está vazio e escuro. Até os símbolos sagrados
estão faltando. No hall principal, uma mulher ruiva de orelhas pontudas, totalmente equipada, se
aproxima:
“Sejam
bem-vindos, mesmo nessa hora escura. Me chamo Lady Aribeth, guerreira devota de Tyr e me disseram que
poderiam nos ajudar. Sou eternamente grata.”
Como
mencionado, depende de gosto pessoal. Não existe o certo e o errado nessa questão. Não está ligado a usar menos ou mais
palavras. E também não se trata de fórmula ou métrica. A diferença principal entre as duas
escritas, é que na segunda, foram usados elementos de cena para contar a
história e passar sensações. Eu, como escritor, não precisei assumir uma postura onisciente para
estabelecer a cena ou a atmosfera. Ela fora concebida pela própria percepção
dos personagens presentes. As informações foram recebidas de maneira cadenciada. Alguns autores, de literatura especulativa, por
vezes, temem deixar seus leitores perdidos com o mundo que “desabrocha“ diante
dos olhos deles, temem que os leitores percam em algum ponto da narrativa, suas referências
pré-estabelecidas. Hoje, nomes como Patrick Rothfuss, Brandon Sanderson e Steven
Erikson estão comovendo legiões de fãs unindo essa técnica com incrível world-building
e personagens carismáticos. Pense nos sentidos dos personagens. Para externar sentimentos, eles precisam agir. E nunca se esqueça: tudo ao redor, conta uma história.
Abraço a
todos e bons jogos.
Ótimo post, só faço um pedido, troque a imagem do fundo do blog. Tive que copiar o texto e colar num bloco de notas pois não consegui ler aqui.
ResponderExcluirValeu Pep. Que bom que curtiu. Vou fazer um teste com outros fundos para melhorar a leitura. Abraço.
ExcluirMuito boa reflexão, sinceramente não sei qual técnica prefiro. Tem como usar um pouco de cada...?
ResponderExcluirobs: em relação ao fundo do blog, eu adoro essa imagem. Tem que ver onde o colega aí de cima visualiza o texto pois aqui no PC eu leio tranquilo, fica uma caixa escura atrás do texto escondendo a imagem do fundo.
Abraços.
Tem como usar um pouco de cada sim. A primeira serve muito bem para situar uma cena , por exemplo. A segunda, faz uma imersão melhor, na minha opinião. O ideal, acredito, seja o equilíbrio entre as duas técnicas.
ExcluirNa verdade, quanto ao fundo, fiz o ajuste que o PEP pediu. Antes não havia essa caixa escura, logo a semi-transparência de fato, atrapalhava a leitura. Acredito que agora esteja 100%.
Abraço.
É importante entender que o "show don't tell" não compete com outra forma de narrar e como qualquer outra, é uma ferramenta que pode ser muito útil e bem utilizada, ou não. É importante ter em mente o conforto de quem está narrando como também para quem a história está sendo narrada, seja numa história escrita ou numa mesa de jogo.
ResponderExcluirEu prefiro o show don't tell, além de me sentir mais estimulado ao narrar, desenvolvi um pouco de aversão aos textos mais descritivos porque depois que Tolkien ficou pop, se criou uma massa de seguidores (ou melhor, copiadores) que querem mostrar seu mundo fantástico sem se preocupar em lapidar o que deve ser passado para o público.
Perfeitamente colocado. Concordo com tudo o que disse. Abraço!
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