sábado, 28 de outubro de 2017

Resenha: Runequest Classic Edition


 Originalmente publicado pela incrível Chaosium (mesma editora de Pendragon e Call of Cthulhu) em 1980, Runequest é considerado um clássico absoluto. Escrito por Steve Perrin e Ray Turney, esse RPG se baseava em duas premissas: ser mais verossímil que seu concorrente direto (Ad&d 1st edition) e conter todas as informações necessárias em um único livro.
Alguém disse old school?
O cenário oficial do jogo, é Glorantha, mas o livro contém apenas duas páginas sobre o mundo criado por Greg Stafford (o criador de Pendragon), nessas duas páginas há um mapa do continente e uma timeline dos principais eventos históricos. O cenário era detalhado em suplementos específicos. O conselho aqui, é considerá-lo uma engine para você jogar no cenário de campanha de sua preferência.

Mas e quanto o sistema? Runequest é o cerne do que viria a ser estabelecido como Basic Role Playing (BRP) da Chaosium. É um sistema exclusivo da editora que dependendo do jogo e da proposta, sofre alguns ajustes. Nota-se de cara, que o livro tem uma escrita objetiva, e inspiradora. Um jogo onde nos remete mais Mesopotâmia do que a Europa Medieval propriamente dita. Durante a criação de personagem, define-se também a qual classe social ele pertence também, podendo cair na tabela, um plebeu, um citadino, um bárbaro, um pequeno nobre, um nobre rico, ou num resultado 100 no D100, um nobre muito rico. Ou seja, é possível (apesar da ínfima chance, iniciar o jogo como um rei).

Para os atributos, joga-se 3D6 para cada um deles, na ordem: Força, Constituição, Tamanho, Inteligência, Poder, Destreza e Carisma (ou adote outro método apresentado no Apêndice). Interessante notar aqui é que como Runequest não opera com definição de classes de personagem (mago, guerreiro, clérigo, ladrão, etc), você pode muito bem jogar com um exímio espadachim que usa magia, pois tem Poder e Inteligência alta, por exemplo. Pode ter um mago que conheça feitiços de telepatia e cura. Perfeito para ambientações dark fantasy e não-maniqueístas. Nesse ponto, é impossível não pensar em Elric de Melniboné. Não é à toa, que o RPG oficial do Lobo Branco usava uma variação do Basic Role Playing (BRP) também. Além disso, o jogo é letal. Quando acertado, você lança 1d20 para ver ONDE foi acertado. Basicamente, cada parte do seu corpo possui pontos de vida. Logo, seu personagem pode ficar manco, aleijado para sempre, perder um olho, perder uma mão, ou ser decapitado. Diversão garantida!

Você é um veterano das Guerras Sartaritas? E se eu te acertar na cabeça?
 E o nome Runequest? O jogo trabalha uma mecânica de Runas Sagradas que exercem poder em vários aspectos do Cosmos. Há uma runa para o Caos, para as Plantas, Animais, Dragões, runas para cada um dos elementos, entre outras. O jogo encoraja o Juiz (como o Mestre é chamado no jogo), a colocar no caminho dos personagens, algumas dessas runas para que eles possam ir se aprimorando nesse caminho até se tornar um RuneLords, essa jornada se inicia, se juntando a um Culto daquela runa específica. Para os amantes de Skyrim, são os Greybeards para os Dragonborns. Na verdade. Runequest seria uma ótima pedida para jogar Elder’s Scrolls, incluindo um sistema de aprisionar espíritos em cristais!  
  
Algumas das runas apresentadas
O livro possui 144 páginas e você só precisa dele pra jogar. Há ainda uma seção para monstros, lista de magias, tabela de encontros aleatórios, uma incrível tabela de poderes aleatórios para criaturas do Caos, itens mágicos e um Apêndice que funciona como caixa de ferramenta.

Felizmente o jogo voltou ao catalogo, depois do sucesso no Kickstarter na gringa (é possível comprá-lo pela Amazon). Só de folhear o livro, percebe-se rapidamente porque ele atingiu o status de cult e estabeleceu um fandom tão forte e fiel. Mesmo um jogo datado, ainda é uma ótima pedida para uma campanha séria old school e um livro essencial para colecionadores.

Grande abraço e bons jogos.


quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Nostalgia: Paranóia 2a edição


A versão Boxed Set da 2a edição.
Paranoia é um RPG de ficção cientifica distópico com alto teor de humor da West End Games. Projeto liderado por Greg Costikyan, mesmo game designer de Toon, Star Wars D6 da WEG e do obscuro boardgame Willow, na terra da magia (falarei dele em outro momento). A saber, os anos de publicação das edições e suas respectivas editoras:

Publication date
1984 (1st edition)
1987 (2
nd edition)
1995 (Fifth edition)
2004 (Paranoia XP)
2009 (25
th Anniversary edition)
2017 (Mongoose Kickstarter edition)
                                               

Eu nunca tive a versão da Devir, joguei nos anos 90 com um amigo meu que tinha o livro. Mas foram momentos bem divertidos. Lembro até hoje das conspirações, dos setores (cada uma com regras mais bizarras que outras), da personalidade do Computador (a IA ditatorial que governa o cenário) e das missões mais mirabolantes possíveis para agradar os superiores.

Entretanto, recentemente consegui colocar as mãos numa versão rara da 2a edição de Paranoia. A mesmíssima edição lançada aqui no Brasil pela Devir nos anos 90, porém o fato que a torna tão especial é a sua formatação em um Boxed Set. Esse conjunto continha tudo o que os jogadores precisavam para iniciar o jogo: o livro básico, livreto com resumos e tabelas (o que seria mais útil e organizado se fosse em formato de Screen para o Mestre) e um dado de 20 lados.

Sorrir é a receita para uma vida longa.
Quem não ama tabelas?
E quanto a ambientação? O cenário de Paranoia é o Complexo Alfa, algo bem próximo de um vault da série Fallout. Os jogadores interpretam os Troubleshooters, agentes do Computador que caçam mutantes e membros de sociedades secretas que almejam “destronar” a máquina. Acontece que os próprios jogadores iniciam o jogo rolando uma tabela aleatória para definir qual o seu poder mutante e a sociedade secreta ao qual ele pertence! Ou seja, os PCs devem trabalhar juntos para cumprir a missão, agradar o Computador, e por fim, ofuscar as suas próprias conspirações com as conspirações dos outros! Além disso, há setores e informações segregadas por aspectos de cor, ou seja, um agente de nível amarelo, só pode acessar informações e perambular  por setores do mesmo nível ou menor. Mas o humor de Paranoia vai além da premissa (que já é incrível), mas devido ao melhor tipo de comédia (na minha opinião): a situacional. Por exemplo: os personagens nasceram e foram criados sem nunca terem saído do Complexo Alfa. Alienados pelo Computador e seus Superiores, ao apontarem para uma árvore, vão simplesmente dizer “perto daquela coisa verde e alta”. Para conseguir algum item, terão que preencher formulários complexos e atravessar uma burocracia irritante, próxima a dos nossos órgãos públicos. Um simples esquilo, encontrado fora do “mundo conhecido” pode ser interpretado como um agente comunista, ou qualquer outro absurdo.

A frente da ficha de personagem.
As regras são simples e funcionais: usa-se o D20 para resolver tudo e criar personagens. Depois de definidos os atributos, distribua 30 pontos de perícia pela lista, ajuste as que possuem bônus devido à Sociedade pertencente. Quando for realizar um teste, basta tirar um valor igual ou menor no D20 (que pode sofrer ajustes situacionais). No final de cada missão, você recebe 4 pontos para distribuir entre elas. O Mestre pode restringir o aumento para apenas as perícias que foram utilizadas na missão, mas isso é opcional. Conforme as missões são completadas, seus personagens passam de nível de acesso. Ou seja, acessarão informações e setores até então negados. Bem elegante, na minha opinião. O combate é simples também. As armas possuem um código de dano. Se acertar, basta jogar na tabela referente ao código de dano e verificar o tamanho do estrago (números altos, podem pulverizar o alvo com um único tiro!). Mas não esquente! Você ainda tem 5 clones que vão substituí-lo ASAP (as soon as possible), bastando o Computador ser notificado. O clone é uma cópia perfeita do seu personagem antes de ser desintegrado (incluindo equipamentos). Basta riscar o numeral 1 que vem depois do seu nome e colocar 2.

Fortemente recomendado para usufruir 100% de Paranóia.
O aspecto socioeconômico é uma amálgama do estabelecido na Trilogia das Distopias, ou seja, 1984 do Orwell, Fahrenheit do Bradbury e Admirável Mundo Novo do Huxley. Vide foto ao lado. Na época, ainda criança, não consegui pescar todos os elementos referenciados, mas hoje depois de ler e reler as obras, acredito que poderei aproveitar 100% do que Paranoia tem e pode oferecer. Esse é um jogo que será ressuscitado em breve para o meu grupo de jogo.

É interessante notar que mesmo que Paranoia não seja considerado mainstream, sempre manteve seu grupo seleto e fiel de fãs, sempre recebendo atualizações (como o elogiado Paranoia XP) acompanhado de boas criticas e até mesmo o Origins Awards em 1984 com a primeira edição e entrando no hall da fama do mesmo prêmio em 2007. Atualmente está fazendo sucesso com a versão Ultravioleta que por ironia do destino, também vem como Boxed Set, incluindo dados, cartas e um novo sistema de regras inteiramente reformulado. Calma, cidadão, você pareceu nervoso quando mencionei que mudaram as regras...você não confia no Computador?


Abraço a todos!

sábado, 7 de outubro de 2017

10 perguntas para Diogo Nogueira






Acabei de ler o Espadas Afiadas & Feitiços Sinistros recentemente e fiquei ansioso para apresentá-lo ao meu grupo de jogo. Simplesmente você fica chocado com a quantidade e qualidade de informação inclusa em suas 64 páginas, tornando-se no final das contas, uma mistura de RPG completo com uma caixa de ferramentas para o Mestre. Por fim, formulei 10 perguntas que tinha em mente para seu autor: Diogo Nogueira, do blog Pontos de Experiência. Decidi fazer as 10 perguntas abertamente, como um post. Confira: 

1)Quais foram as principais influências do Espadas Afiadas & Feitiços Sinistros?

Influências em que sentido? A literatura que inspira a ficção do jogo? Filmes? Quadrinhos? Outros jogos? Bem, no final do livro tem o Apêndice I, que trata justamente dessas influências, mas posso fazer uma apanhadão geral aqui. Em termos de literatura, as histórias do Conan de Robert E. Howard, de Fafhrd e Grey Mouser de Fritz Leiber, os contos estranhos de Clark Ashton Smith e série de Le Sprange que começa com Goblin Tower foram as histórias que mais alimentaram minha imaginação. Em termos de quadrinhos, tudo que eu consegui ler do Conan ajudou um pouco, assim como a série de Lankhmar ilustrada pelo Mignola, que é fantástica e linda demais. Em termos de filmes, aqueles de fantasia tosca dos anos 80 são muito legais, os filmes do Conan mesmo, Fire and Ice, Kull. Já em termos de RPG, eu fui influenciado por muitas coisas. O EA&FS é uma compilação de coisas que eu gosto de vários jogos, modificadas e adaptadas pra a temática de espada e feitiçaria e de forma a se encaixar umas nas outras. Mas, para constar, alguns dos jogos que me inspiraram são: Original Dungeons & Dragons, Advanded Dungeons & Dragons 1st Edition, D&D B/X, Beyond the Wall, Wonder & Wickdeness, DCC RPG, Fiasco, The Black Hack, White Hack, Edge of the Empire, Call of Cthulhu, Lamentations of the Flame Princess, Maze Rats, e até FATE.

2)Ainda sobre o EA&FS, muitos podem não entender a ausência da classe Clérigo no core do jogo. Pode explicar essa decisão?

Pois é. Acho que o gênero de espada e feitiçaria não é muito disseminado por aqui, e muita gente tende a achar que é simplesmente como a fantasia de gênero disseminada pelo D&D, que tem seu expoente na Terra-Média de Tolkien. Mas, na verdade, não é. É uma fantasia mais crua, mais cruel, mas suja. A magia não é algo que pode ser usada pelo bem e pelo mal, mas é uma força corruptora, usada com muita parcimônia e que, invariavelmente, corrompe quem a usa. Eu gosto de pensar que é como o nosso mundo real. Deuses não existem (sim, eu sou ateu, não tem como não ser com tanta coisa ruim pelo mundo). Pelo menos não Deuses benevolentes. Assim, sacerdotes e religiões não são “mágicos” mas apenas partes de uma organização de crenças e outros interesses. Se um sacerdote tem poderes mágicos, é porque ele tem ligações com forças caóticas e não é lá nenhum “santinho”. Assim, não há clérigos na imensa maioria das histórias que tem ligação com o gênero de espada e feitiçaria. Essa literatura tem seus expoentes nas crônicas de Conan do Robert E. Howard, nas Crônicas de Lankhmar de Fritz Leiber, as histórias de Elric de Michael Moorcock e outros. É um mundo cruel, como o nosso.

3)Devido o sucesso do EA&FS, o projeto Bruxos & Bárbaros foi “deixado de lado” por tempo indeterminado?

Eu gosto de pensar que não. O EA&FS é uma consequência natural do Bruxos & Bárbaros. Ele não existiria sem o B&B. Muitas coisas são comuns aos dois, tanto em regras como em cenário. Acontece que meus objetivos e estilo de jogo foi tendendo para algo mais improvisado, com regras mais sólidas mas menos detalhadas, daí o EA&FS. O cenário do B&B, Anttelius, vai ser publicado para o EA&FS e de um jeito bem mais interessante, interativo, feito para se usar na mesa de jogo pelo mestre para criar aventuras na hora. O B&B está vivo, graças ao EA&FS.

4)Antellius, seu cenário de campanha pessoal, vai sair oficialmente para EA&FS? Se sim, como anda o projeto?

Vai sim. Ele não anda muito porque ele não tem pernas. Mas piadas a parte, eu estou escrevendo ele aos poucos. Tenho coisas do financiamento ainda para terminar (aventuras, diagramar o Addendum em português), estou trabalhando no Solar Blades & Cosmic Spells (um jogo de espada e feitiçaria nas estrelas) e faço algumas cosias para outras pessoas e jogos. Estou equilibrando muitos pratos ao mesmo tempo, mas sempre anoto coisas para Anttelius. Ele vai sair. Mas vai demorar um pouco ainda. Quero algo bem legal para ajudar mestres a criar aventuras sozinhos e ser um livro que ajude o mestre na hora do jogo, e não só uma lista de nomes e lugares a serem decorados.

5)Os módulos de aventura da Goodman Games fazem enorme sucesso. Há planos de lançar módulos semelhantes para o EA&FS?

Bem, o financiamento prevê uma série de pequenas aventuras. Não serão módulos como de DCC, mas alguns locais e esquemas de situações para serem facilmente utilizadas e que rendam uma sessão ou duas de jogo. Módulos completos como de DCC é um pouco mais complicado, exige tempo e exige outros autores além de mim. Acho que deve até sair um ou outro, mas não vai ser meu foco. Quero produzir coisas que ajudem os outros a criar suas próprias aventuras e a improvisar coisas na hora.

6)Qual seu cenário de campanha oficial predileto dos tempos áureos da TSR e por que?
Dark Sun. Porque é diferente. Foge da fantasia de gênero que já estamos acostumados. É cruel. Os personagens não precisam ser “heróis”. É uma parada mais crua, suja, rock’ n roll, e realista (não existem Deuses em Dark Sun também)!

7)Ainda sobre os settings da TSR, qual o cenário que você acha mais “baunilha” e por que?

Forgotten Realms. É um cenário que tenta ser tudo e, no final, não é nada. Não tem gosto. Não tem cara. Tem muitos NPCs fodas que fazem você pensar que seu personagem só está ali de enfeite. E a única vez que tentaram fazer algo criativo com o cenário os fãs piraram (na quarta edição de D&D). Mas é aquilo. As pessoas se sentem confortáveis com o que já conhecem. Eu quero algo novo, diferente, que me cause surpresa. Forgotten Realms não é para mim.

8)No meio de tantas opções que a OSR nos trouxe (Lamentations of the Flame Princess, Dungeon Crawl Classics, Basic Fantasy, Espadas Afiadas & Feitiços Sinistros), o que leva em consideração quando vai decidir o que jogar com o seu grupo ou levar para um evento?

Acho que o clima do jogo e o que ele traz de diferente. DCC ele traz uma fantasia pulp em um clima de aventura muito legal. Ele é empolgante, animado, caótico, mortal, divertido. Ele foge da fantasia de gênero, o que me agrada muito. EA&FS é um jogo rápido, flexível, feito para jogar improvisando, tem um clima de espada e feitiçaria bem forte e que, para mim, funciona muito bem com a literatura de ação que inspira o jogo. Lamentations tem um sistema clássico e mortal mas que se encaixa perfeitamente com as aventuras bizarras e cruéis que ele promove. The One Ring, não é OSR mas eu amo. Ele é PERFEITO para se jogar na Terra-Média de Tolkien. Ele reflete tudo que é importante nas histórias e tem regras leves para lidar com isso. Eu busco jogos que reforcem o clima da ficção da qual se inspiram e que tenham regras fáceis de usar e ágeis, mas que também tenham uma certa abertura e flexibilização para que o mestre transforme o jogo em certos pontos.

9)O blog “Pontos de Experiência” está ativo desde 2011, repleto de dicas e informações para o hobby.  Há planos de compilar os melhores posts e lançar um livro?

Sim. Mas há planos para muitas coisas. Eu tenho muitos projetos. O problema é conseguir termina-los! Já consegui com o EA&FS, Caveira Velha e com o Addendum. Vamos ver o que mais eu consigo!

10)Última pergunta: eu serei amaldiçoado pelos deuses do Caos se jogar EA&FS em Toril?

Sim, por 77 gerações. Está avisado!
Brincadeira... (Ou não!).

Atenção: Não tentem fazer isso em casa.
Desde já, deixo meus agradecimentos ao autor pelo tempo e bom-humor. 
Acessem esse link e comprem o Espadas Afiadas & Feitiços Sinistros, lançado recentemente pela editora Pensamento Coletivo. Garanto que terão em suas mãos, um jogo simples, rico e inspirador!

Abraço a todos!