Vamos deixar Greyhawk um pouquinho
de lado para falar de uma das caixas mais complicadas de se encontrar de Dark Sun:
City by the Silt Sea. O material, foi escrito
por Shane Lacy Hensley e lançado em agosto de 1994 e foi o último produto da linha
a ser lançado, antes da caixa revisada de 1995. Bom, essa caixa é uma das
minhas favoritas, pois ela é bastante ampla: além de detalhar ricamente um
recorte de Dark Sun pouco falado, ela traz uma campanha pronta muito
interessante, um vilão bastante único, uma nova raça jogável (diretamente
ligada ao pano de fundo da trama) e muitas ideias boas para fomentar diante das
consequências da passagem e das escolhas feitas pelo grupo explorando a localidade apresentada. Vejamos:
Origem
Guistenal não é uma das grandes
Cidades-Estado operantes e famosas de Athas. Bem, ela foi no passado, e pode ter visto sim, seus dias de glória, mas hoje ela está em ruinas, quase toda soterrada. Ela é citada na
primeira caixa básica de Dark Sun, na página 81 do The Wanderer´s Journal,
porém, de maneira breve e através de uma intrigante semente de aventura: “Giustenal
é uma das Cidade dos Antigos: hoje em ruínas e aparentemente deserta.
Entretanto, há algo, ou alguma coisa de grande poder abaixo de suas ruínas. Psiônicos
alegam também que essa coisa enterrada, estabelece contato, como uma voz que
chama as mentes sensíveis o suficiente.” O nosso escriba, chamado
de Andarilho, ainda complementa em seguida: “Pessoalmente, nunca senti tal impulso,
mas durante uma noite, enquanto acampávamos nas ruínas, acordei com as vozes de
um companheiro psiônico, de olhar vitrificado, conversando com alguém que eu não
podia enxergar numa língua desconhecida e então começou a matar os nossos guias.
Fui obrigado a matá-lo para me defender em seguida.” É isso. Dessa semente,
germinou essa caixa.
Giustenal é Dark Sun em
dobro
Parte da superfície de Giustenal |
Dark Sun é um jogo de sobrevivência, mas também é um jogo de exploração, onde os jogadores descobrem pedaços da História de Athas, artefatos estranhos, e interage com raças estranhas. Giustenal traz tudo isso! A cidade foi fundada por Dregoth, que era um dos Reis Feiticeiro, mas foi avassalada pelos experimentos mágicos de seu tirano. Secretamente, Dregoth estava usando alguns dos habitantes da cidade em experimentos "bio-mágicos" de outras Eras (se não sabe desse passado, sugiro escutar o PODCAST que gravei com o grande Samuca) Enfim, seu objetivo era criar uma raça "perfeita", cada vez mais dracônica. Surgiu assim, a primeira geração de seus asseclas Dray. Após isso, Dregoth descobriu um ritual que lhe permitiria completar sua transformação dracônica e se tornar um dragão como Borys fez. Isso levou os outros feiticeiro-reis a se unirem, temendo que Dregoth pudesse superá-los no poder e ou mesmo, se tornar insano, como ocorreu com Borys, e no final, eles atacaram Dregoth e conseguiram destruí-lo. Bem, acontece que o tirano não morreu, mas ficou num estado morto-vivo e criou uma Nova Giustenal abaixo da Antiga Giustenal para aguardar o momento certo de retornar. E essa é justamente a premissa da campanha apresentada na caixa.
Assim, como seu regente,
Giustenal também é uma cidade “morta-viva”, digamos assim. Ela sobrevive em numa
estrutura de células de comunidades, com inúmeras camadas e o Campaign Book,
de 95 páginas, explora isso ricamente. Conforme o grupo avança e explora, depara-se
com facções que operam dentro e nos arredores da cidade, cada uma com sua
agenda, aliados e inimigos, colocando o grupo em vários dilemas nesse
fogo-cruzado e estabelecendo um cenário de intriga e política muito
interessante, ingrediente bem-vindo num cenário tão bélico como Dark Sun. Falando
em combate, esse livro também traz vários elementos de ambiente para utilizar
durante a exploração ou embates: Poços de Piche espalhados pelos níveis e perímetros da cidade; muros, pisos e seções colapsando e até magma em alguns trechos, o que
acrescenta uma camada extra no combate. A Grey Death, por exemplo, é uma espécie de "tempestade de Sedimentos" que avassala a cidade e arredores de tempos em tempos e que impõe em
termo de regras, penalidade de 4 pontos para acertar e dano, além de limitar
a visibilidade dos personagens. Ou seja, o livro é repleto de recursos para
tornar cada combate, único e interessante (prato cheio para quem gosta, como eu, de D&D 4a edição e seu combate altamente estratégico).
Os principais distritos abaixo da superfície |
Aos poucos, conforme explora, o grupo vai tomando nota de quem opera em cada área, rumores, side-quests e rumores que às vezes, se provam verdadeiros. Os personagens irão de deparar com acessos proibidos, casas mercadoras em guerra, túneis secretos e aos poucos, vão desvendando os segredos da cidade, descascando camada por camada abaixo das aparentes ruínas de Giustenal. Lembro que em uma das minhas campanhas, utilizava até um registro de Aprovação e Desaprovação com cada uma das Guildas operantes ali. Dependendo do valor, os personagens podiam obter alguns descontos nas lojas favoráveis, informações e até favores dependendo do índice de aprovação. No mais, o livro apresenta muita informação para dar vida e cor para essa localidade tão exótica. Trate Giustenal como um organismo vivo, que luta para sobreviver diariamente, como os habitantes de Athas. Na verdade, já é um desafio por si só, “navegar” de um setor para outro dentro dos limites da cidade.
O Adventure Book, com suas 64
páginas, apresenta a campanha propriamente dita, onde amarra diversas dessas
locações e divide a trama em 7 Capítulos. Fazendo um "resumão": Dregoth está
reunindo um exército de Dray e mortos-vivos para retornar à superfície, estabelecer
uma nova era para seu império e de quebra, se tornar um deus vivo. Mas muitos
podem achar que a aventura é um railroad, e não é! Os capítulos podem
ser organizados na sua mesa, de maneira orgânica. Tipo, um NPC está
desaparecido. Ele escapa de seu captor (que ele diz que era tomado de escamas),
mas ficou preso em um dos setores colapsados. Ele agradece, rola uma
recompensa e vida que segue. Simples, certo? Acontece que a coisa escala. Amanhã desaparecem 3 pessoas, depois mais 10! O que está havendo? O
grupo começa a perceber padrões e ligar pontos. Você pode ir soltando
informações e boatos conforme houver necessidade de instigar os jogadores, até determinado
ponto onde o grupo se depara com os templários dray de Dregoth, por exemplo. Há material aqui para incontáveis sessões de jogo.
Além desses dois livros, o kit ainda vem com fichas cartonadas com informações úteis, inclusive regras para personagens dray de gerações mais recentes. Mal comparando, seria uma raça “desbloqueada” em Dark Sun, DEPOIS do grupo fechar essa campanha. Não faria muito sentido colocar eles antes, pois não haveria o impacto do “primeiro contato” com a espécie. A título de curiosidade, quando Dark Sun recebeu sua versão oficial na 4ª edição, os dragonborns foram incorporados justamente como gerações sobreviventes e renegadas desse experimento antigo e eu acho essa ideia muito boa e elegante. Ou seja: os eventos ocorridos aqui, se tornaram canônicos na 4ª edição. O kit ainda traz um compêndio de monstros apresentados na caixa, desde NPCs únicos da aventura principal, como criaturas nativas da região: ponto alto para os horrores que vivem dentro do solo sedimentado da região e até dentro dos poços de piche. Como se a substância já não fosse perigosa por si só! E por fim, um lindo mapa dupla-face, trazendo de um lado, a superfície de Giustenal e atrás, várias das principais seções/distritos abaixo das ruínas.
Os dragonborns já foram magrinhos, tá vendo? |
City by the Silt Sea, é uma caixa com muitos méritos, e é o tipo de
produto de padrão elevado dessa época saudosa (porém conturbada) da TSR. Para ser honesto, só vi algo parecido em
proposta, tom e qualidade com a caixa de Parlainth
para o RPG underground Earthdawn
(querido por muitos grognards por aí, eu inclusive!). Percebe-se que
havia a intenção da TSR de criar uma caixa para cada Cidade dos Antigos, espalhadas
pelo mapa, locais esses, que não temos muitas informações, além de uma semente
ou outra de aventura. No mais, essa caixa apresenta um Dark Sun elevado ao quadrado
de fato, com um autor bem confortável em explorar e expandir esse cenário tão
único. A campanha apresentada é rica, como novos desafios, raças e um vilão carismático
que promete um clímax cinematográfico. Apresenta uma cidade que tenta sobreviver
diariamente, ideal para aventuras de espada e feitiçaria. Se você joga Dark Sun
4ª edição, considere adaptar os encontros e jogar essa campanha. O material é
tão descritivo e inspirador, que vale até mesmo, testar em outros jogos e
sistemas. Acredite: é um belo sandbox, com o perdão do trocadilho...
Abraço a todos e bons jogos!
Acho esses cenários da 2e, principalmente DarkSun e Planescape, muito interessantes e atraentes para aventuras. Muito bons na hora de incorporar regras de cenário para trazer surpresa e variedade na jogabilidade.
ResponderExcluirMas as histórias dão uma preguiça...
De fato, muito material que surpreende na mesa de jogo. Mas quais histórias vc diz que dão preguiça? Os lores dos cenários ou montar a suas próprias aventuras?
ExcluirParabéns, ótima resenha. Não conhecia esse material mas, em alguns momentos, me lembrou o módulo B2 The Lost City.
ResponderExcluirValeu bro! Dessas aventuras clássicas, confesso que até hoje, li Lost City, apesar de famosa. Darei uma olhada.
ExcluirMuito boa resenha, Ranieri! Espero um dia ainda poder mestrar uma campanha em Dark Sun, acredito que esse material possa ser uma boa base para utilizar.
ResponderExcluirValeu, Diogo! Sim, é uma boa partida para o início de uma campanha, de fato. Indicado tanto para aqueles que já conhecem Dark Sun, quanto para quem nunca ouviu falar antes. Grande abraço, obrigado por ler e comentar.
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