quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Humanos são assustadores


Geralmente, sentamos para preparar uma nova aventura e refletimos sobre qual será a grande ameaça da vez. Abrimos o Livro dos Monstros a procura de um perigo à altura do grupo de personagens, ou aquela criatura específica que vai aterrorizar e inovar a mesa através de suas habilidades especiais inéditas. Bom, já avisando logo: nada de errado com isso. Mas e se o vilão da próxima campanha for um simples humano?

Mas essa reflexão surgiu ao lembrar de que os melhores vilões na literatura (especulativa inclusive), são os seres humanos. É incrível ler as sagas do Bernard Cornwell e pensar "Nossa, como o ser humano é escroto!". Sabemos que é um recurso de defesa do ego e da psiquê, criar e estabelecer uma quimera fantástica para ser o avatar do que temos de mais podre em nossa alma. Dragões (como alegoria de avareza), demônios (para alegoria de crueldade), zumbis (como alegoria de corrupção da vida), vampiros (como reflexo torpe dos prazeres da carne), entre outros.

Acontece que autores geniais traçam personalidades tão marcantes que acreditamos que aqueles personagens existem. Como dizem por aí: “amamos odiar aqueles vilões”, aqueles que colocam obstáculos e dilemas no caminho dos nossos heróis. Claro que em D&D é perfeitamente possível realizar isso, mas o Livro dos Monstros pode acabar se tornando uma "muleta" nas mãos de mestres inexperientes, que usam o livro quase como um cardápio da semana. Eu mesmo tento tomar extremo cuidado ao desenvolver um humano que se pareça de fato, um ser humano. Cheio de forças e fraquezas, esperanças e medos, pecados e virtudes.

Jogos como Pendragon e Yggdrasil são ótimos pois temos que trabalhar bastante para diferenciar um cavaleiro de outro, um místico de outro, um lorde de outro, as afetações de um menestrel para outro. Quando temos muitas raças fantásticas, geralmente colocamos esse trabalho (mesmo sem notar) no escopo do estereótipo ligado a ela. Aliás, um dos temas mais marcantes de Dragon Age (seja o RPG eletrônico, os romances e o RPG de mesa) são as tensões raciais e como o domínio humano sobre elas é terrível e muitas vezes, predatório. Chegando a existir guetos raciais em algumas cidades! Xenofobia é a paranóia da vez em Dragon Age Origins.

Abaixo, 3 dicas para deixar seus vilões (humanos) mais interessantes:

Mortalidade: um vilão humano terá pressa para atingir seus objetivos. Ele não tem centenas de anos para aguardar o próximo alinhamento dos planetas, está suscetível ao tempo e às doenças. Na verdade, seria interessante, alguém contratando os personagens-jogadores para adentrar um local, ao qual secretamente esteja contaminado por uma praga mágica (ou natural mesmo). O grupo obtém o item, entrega para o contratante, recebe o pagamento e só depois, descobrem que estão gravemente doentes. Só esse ponto só já daria inicio à caça por esse vilão odiado.

Dualidade: J. R. R. Tolkien explorou muito esse ponto em suas obras. Ainda mais ele mesmo tendo servido nas duas Grandes Guerras e vendo na prática, essa faceta. O ser humano é capaz de realizar feitos terríveis, mas também louváveis. Um bom vilão pode surgir de um grande herói exemplar, que ajudou os personagens no passado, mas agora, infelizmente, ele mudou de lado, seja por orgulho, riquezas, política, etc.

Ambição: o ser humano cujas prioridades ou bom senso estejam deturpados, pode possuir uma ambição assustadora e maquiavélica. Capaz tanto de erguer ou derrubar impérios. Fomentar guerra e alastrar destruição por onde passar. Em nossa história, temos (infelizmente) inúmeros exemplos de quando a ambição humana quase pôs tudo a perder. Mas é nessa hora em que o mundo mais precisa dos heróis.

De modo algum são os únicos pontos a serem explorados por vilões humanos, mas geralmente me foco nesses três pontos. A título de piada, anos atrás, li no 9GAG, uma frase ao qual nunca mais vou esquecer: “Somos ossadas, possuídas por espíritos, cobertos de carne”- OK, assustador o bastante.


Abraço a todos e bons jogos!

sábado, 29 de julho de 2017

Sobre os Gatekeepers



Você joga D&D 4a ediçao e Pathfinder? Não passarás!

     Gatekeeper é a denominação pejorativa para aqueles jogadores, que prestam um desserviço para o movimento OSR. Agindo quase como uma sociedade secreta protetora da visão do D&D em sua “forma mais pura”, muitas vezes tornam-se escravos eternos da nostalgia, acreditando que o hobby se perdeu em algum ponto e que nada haverá de surgir para bater os RPGs dos “tempos áureos”.( Acho até que são eles que dizem que o RPG morreu). 

Não entendem, que por mais forte seja o apelo da OSR, deve ser encarado como um modo de jogar, não o único.

     O cerne da questão (e onde geralmente a discussão se perde ao conversar com um Gatekeeper) é quando querem classificar se uma regra é old school ou new school. A bem da verdade, acredito que podemos aprender muita coisa em ambos os mundos. Por mera questão de referência, vou apontar 3 tópicos da minha interpretação desses dois aspectos:

New School:

1 – Mecânicas bastante consolidadas: se eu escrevesse “engessadas” ficaria pejorativo, o que não é minha intenção. O meu ponto é que as mecânicas se comunicam tão fortemente, que se mexer em uma, terá que ajustar todas as outras adjacentes a ela. Em alguns jogos, é impraticável. Para exemplificar: vamos dizer que eu queira jogar D&D 3.5, mas proíbo os Talentos. Para anular os Talentos, preciso mexer nas tabelas de avanço das classes, ajustar as classes de prestígio, preparar uma mecânica para criação de itens mágicos (ao qual está vinculada aos Talentos), entre outros detalhes. Para falar positivamente, as mecânicas consolidadas garantem um jogo mais amarrado, talvez mais focado em sua essência e/ou cenário.

2 – Ações sociais frequentemente representadas mecanicamente. O livro apresenta regras bem definidas de como resolver um teste de intimidação, de lábia e até de negociação. Mas observe o print ao lado, ilustra um talento retirado do Star Wars Age of Rebellion (que eu gosto demais, diga-se de passagem e que é definido como um jogo new school). O talento exemplificado permite que ao invés de realizar um teste padrão de Conhecimento, o jogador gaste 50 créditos vezes a dificuldade do teste. Se fosse só até aí, e eu lesse sem contexto, diria que é a carta de algum boardgame. Mas felizmente, a explicação do talento continua, dizendo o seguinte: “À julgamento do Mestre, o personagem não pode utilizar essa habilidade caso a informação desejada seja particularmente difícil de encontrar, ou que esteja em uma situação onde a informação não pode ser comprada ou isolado em um planeta sem acesso à HoloNet”. E isso é incrível, pois garante autonomia para o Mestre, deixa a habilidade do personagem escrava da história contada, não o contrário. Características essas, tão aclamadas pelos defensores do Old School. Nesse caso, há de fato um equilíbrio entre os dois mundos e um dilema nas mãos dos Gatekeepers.  

3 – As responsabilidades entre Mestre e jogadores são mais distribuídas ou a distinção não é necessariamente existente. Geralmente essa característica está vinculada a uma mecânica ou premissa de narrativa compartilhada. O jogo pode ter esse aspecto em alguns pontos (Dungeon World, por exemplo) ou em sua totalidade (FIASCO, por exemplo).

Old School:

1 – Mecânicas abertas: novamente se usasse a expressão “mecânica vaga”, soaria pejorativo, o que também não é a intenção. Mas sim, lembro que nos anos 90, jogava-se Ad&d 2ª edição de uma forma na minha mesa e quando fui jogar com um outro grupo da cidade, eles tinham regras caseiras (ou outras interpretações das regras do livro) diferentes das minhas. E o jogo funcionava também. O principal aqui é que o jogo old school permite hack e retro-compatibilidade mais facilmente.

2 – Ações sociais não são representadas mecanicamente. O atributo carisma sempre esteve lá. OK. Mas ele era usado como último recurso. Imagine o seguinte cenário: uma cidade sob cerco. Os PCs precisam entrar, mas tropas estão posicionadas para impedir entrada e saída de pessoas pelos portões. Um dos jogadores diz que vai tentar convencer o capitão a ter livre acesso.Afobado, já pega o D20 e quer fazer o teste de Carisma. Mas o Mestre corta, indagando: “Mas o que vai falar para convencê-lo?”, “Quais argumentos utilizará?” se a cena for bem executada, talvez nem teste precise. Outra opção é dar bônus ou penalidades no teste de Carisma, dependendo dos argumentos utilizados. Óbvio que é possível usar esse mesmo tratamento em um jogo classificado como New School, mas essa mentalidade está ligada a OSR. Não fui eu quem fiz isso.

3 – O Mestre tem a palavra final. Sempre cito que o Rules Cyclopedia e o Ad&d 1st edition possuem trechos assim: “diga para o Mestre qual o valor do seu atributo e ele fará esse teste para você” ou então “pergunte ao Mestre se você tem permissão para isso”. Do outro lado, me vem à mente o movimento DISPARAR do “Dungeon World”, que com um resultado entre 7 e 9, você acerta o alvo, PORÉM, deve escolher alguma complicação das seguintes: colocar-se em perigo devido a linha de visão, disparar de qualquer jeito (causando 1d6 a menos de dano), ou gastar munição. É um ótimo exercício de um mecânica classificada e aceita como new school.
No final, não é uma questão de qual estilo é melhor, qual oferece as melhores mecânicas ou de quem está certo. É sobre desbravar as duas experiências e sobre não ser aquele torpe Gatekeeper isolacionista. Até porque nosso hobby tem três objetivos bem claros: se divertir, contar uma história e principalmente, unir as pessoas.

E quanto a vocês? Como enxergam essa questão? Conhecem algum Gatekeeper?

Meus posts de nostalgia soam como se eu fosse um Gatekeeper, mas juro que tento conhecer coisas novas! Hahaha. Abraço a todos e bons jogos!

domingo, 16 de julho de 2017

Resenha: Men in Black RPG





Em 1997 era lançado nas telonas, o blockbuster Homens de Preto e para aproveitar o hype, a West End Games (já famosa pelo seu RPG oficial de Star Wars), publica o MIB RPG. O jogo utilizava a base consolidada do seu já renomado D6 System, que já havia recebido um bem-vindo tratamento genérico. O Masterbook, já permitia usar o conjunto de regras para qualquer ambientação.

Classificar MIB RPG como um RPG de comédia é muito simples. Mas sempre friso que o jogo é mais que isso. Como nos filmes, há espaço para a comédia “pastelão”, para o drama, para o gore, para o pulp, para a investigação soturna de um mistério (a lá Call of Cthulhu), ficção científica e principalmente para o elemento que mais valorizo: os absurdos do cotidiano humano. Uma boa aventura de MIB deve ter os elementos citados em doses equilibradas. Mas fique tranquilo, o livro possui ferramentas e espaço para refletir sobre.

Como dito, o jogo usa o sistema D6, com algumas pequenas regras orbitando ao redor. Como regra opcional, temos as CUE CARDS, cartões que representam as famosas “deixas” e frases de efeito do cinema. Ao planejar a campanha, o Mestre cria um deck com algumas dessas cartas (o livro vem com uma folha de cartas em branco para xerocar). No início da sessão, cada jogador saca 3 delas e tenta ativar durante o jogo. Em troca, será recompensado como descrito na carta. Por exemplo, a seguinte carta: FALA “-Toque em mim com isso novamente e terei que me casar com você”, a recompensa é de 2 pontos de personagem. O Mestre e seus jogadores podem e devem customizar suas próprias CUE CARDS. Ótima ferramenta.   

O livro tem uma tabela de criação de Aliens muito boa também. É possível gerar poderes dos mais diversos, nomes escalafobéticos e outras bizarrices para seus agentes investigarem. Ponto alto para o Teste de Recrutamento, preenchido na criação de personagem, mas sem efeito mecânico, apenas um questionário livre repleto de piadas que “quebram o gelo” e ajudam muito a estabelecer o tom logo de cara. Uma das questões que lembro de cabeça era:

1-    Formule sua visão sobre o Big Bang.
2-    Agora, refute-a.

Genial!

O livro que contém a escória do universo!
MIB RPG provavelmente está no meu Top 3 de RPGs mais undergrounds. Por fim, apesar de um ser jogo incrível, acho que não foi um tremendo sucesso pelo mesmo fator que muitos jogos semelhantes enfrentam por aí: o forte apelo cômico. Ao meu ver, muitos Mestres e jogadores se sentem intimidados com RPGs de humor. Inseguros, acham que suas piadas não irão funcionar para todos ou mesmo que não irão funcional at all. Essa discussão por si só, já valeria um post, mas meu conselho é que basta relaxar. O humor (pelo menos o tipo ao qual mais aprecio e é bastante visado em MIB RPG), surge natural e gradualmente, movido e estabelecido pelo absurdo das situações, das conspirações e das lendas urbanas. Por fim, como todo bom RPG, será gerado organicamente pela história criada cooperativamente e das reações dos jogadores às cenas propostas. Não se intimide com isso e dê uma chance.

Abraço a todos e bons jogos.