terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Bone Tomahawk é uma aventura de DCC!





NOTA: esse artigo não contém Spoilers. Apenas pontuo 5 argumentos para assistir ao filme.

    Acredito que não sou o único que depois de assistir um bom filme, se pega refletindo: “Uau! Isso daria uma aventura de RPG e tanto!” Isso acontece por vários motivos ou uma combinação de fatores: pode ser pela trama em si, pela maneira que as situações são estruturadas ou pela riqueza da construção dos personagens. “Bone Tomahawk” possui tudo isso. Abaixo, 5 motivos para você parar o que está fazendo, logar no Netflix e procurar por esse filme.

Brincando com as expectativas: algumas semanas atrás, um amigo me indicou esse filme, que recebeu o péssimo nome aqui no Brasil de “Rastros de Maldade”, referência clara ao clássico “Rastros de Ódio” com John Wayne. Mas esqueça qualquer outra comparação, pois o filme de 2015, escrito e dirigido por S.Craig Zahler desconstrói o gênero e brinca o tempo toda com suas expectativas. O que o Dungeon Crawl Classics faz com maestria também dentro do escopo de fantasia medieval. Se você acha que vai encontrar um western recheado de clichês, esqueça. Prepare-se para ser surpreendido com uma trama simples, mas extremamente bem executada.

Mortalidade: o segundo ponto que destaco a semelhança com o DCC é a mortalidade. Escolhas erradas possuem conseqüências pesadas. Qual caminho pegar? O que o inimigo faria? Quem agir impetuosamente, provavelmente irá morrer. O filme cria uma aura de tensão quase tangível! Uma edição cinematográfica seca, que não romanceia a violência, nem glorifica o sangue, torna aquele mundo nefasto e letal.   



Funil de personagens na prática: apesar de ser um grupo pequeno, os quatro aventureiros de Bone Tomahawk são pessoas simples de uma pequena cidade. Não há heróis de lendas antigas, ninguém especial. Um ancião senil, um xerife velho, um aleijado e um “almofadinha”. Você se importa com todos eles! No final, recompensa quem tiver boas idéias e souber gerenciar os recursos disponíveis.

Antagonistas únicos: nossos personagens já encontraram índios antes. Um deles já matou vários deles, na verdade. Mas nada nesse mundo, teria preparado o grupo para o que irão se deparar. Inimigos únicos + bizarrices = Dungeon Crawl Classics RPG.



Não segura a sua mãozinha: não é a primeira vez que comento isso aqui no blog, mas num mundo onde (infelizmente) os filmes, os jogos eletrônicos e até os RPGs, perguntam se você está bem e feliz. “Bone Tomahawk” faz o que o DCC também faz: entrega-lhe uma voadora no meio do peito. Não me importa se você se apegou a determinado personagem: se ele fizer uma escolha errada, provavelmente vai morrer. Simples assim.

Dito isso, boa diversão a todos!  

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Apêndice E

    
A lista original e a da 5a edição de D&D.
    Acha-se facilmente pelos blogs nacionais e gringos, posts sobre o lendário Apêndice N do Ad&d 1st edition, registro esse, criado por Gary Gygax listando as fonte de inspiração para a elaboração do jogo. Com o crescimento do movimento OSR, aconteceu uma verdadeira “caça ao tesouro” com fãs ao redor do mundo procurando os livros e compilações das sagas mencionadas pelo autor. São livros que variam do raro, aos que podem ser encontrados mais facilmente em sebos e livrarias que exportam. Entretanto, pouco se diz sobre o Apêndice E presente no Player´s Handbook da 5a edição do Dungeons & Dragons, clara referência à famosa lista de 1979. Logo, destaco dois pontos:
    Primeiro:que é inegável que temos um leque incrível de “novos clássicos”. Autores como Brandon Sanderson, Patrick Rothfuss, Scott Lynch, Joe Abercrombie, George R.R. Martin, talharam seus nomes em sagas excelentes e muitos deles, redefiniram vários tropes do gênero. A maioria deles, ainda destaca a importância que o RPG teve em suas vidas e formações como escritores. É no mínimo interessante, refletir que no Apêndice N, a literatura pulp proporcionou a matéria-prima para o D&D, enquanto que no Apêndice E, o caminho foi inverso: o D&D proporcionou matéria-prima e novas percepções para a literatura fantástica vindoura.
    Segundo: vivemos um boom de literatura especulativa muito feliz no Brasil. Mesmo a passos lentos, hoje em dia, temos ótimos livros traduzidos. Dos clássicos verdadeiros, presentes no Apêndice N, temos compilações de contos do H.P. Lovecraft, de Robert E. Howard, e em sebos, é possível encontrar várias obras de Jack Vance, por exemplo. Mesmo não mencionado por Gygax, temos o primeiro livro da saga de Elric que também é fenomenal para entender o clima contido nas versões antigas do D&D. Já dos “novos clássicos” temos um montante de lançamentos desde o fagulha acendida pelos livros de George R.R. Martin aqui no Brasil: Robert Jordan com sua saga A Roda do Tempo, O Nome do Vento (e sua continuação O Temor do Sábio), O Feiticeiro de Terramar, Estação Perdido (de China Mieville, autor referencial de Weird Fantasy), As Mentiras de Locke Lamora, a fantasia militar da Companhia Negra de Glen Cook, Tigana, a fodástica saga Mistborn, a trilogia da Primeira Lei, são apenas alguns exemplos dos maravilhosos livros que temos hoje disponíveis em nossa língua. Cada editora correu atrás para apanhar uma fatia desse nicho em expansão.

Apenas alguns dos livros do Apêndice E. Todos esses em português já!
    Nem preciso dizer que é vital aprender inglês, mas sei que tem bons leitores por aí que ainda se sentem intimidados a pegar um romance gringo de 500 páginas. É fato que ler em inglês vai te aprimorar academicamente e ainda expandir o leque já enorme de títulos, apesar de (por motivos óbvios) ser mais confortável para qualquer um, ler em sua língua nativa. Por fim, 2017 é um ano que pretendo resenhar grande parte dessas sagas aqui no blog. Fiquem atentos!


 Boa leitura a todos.    

Abaixo as obras listadas no Apêndice E (obrigado Thiago Rosa pela lista formatada):

Ahmed, Saladin. Throne of the Crescent Moon.
Alexander, Lloyd.The Book ofThree and the rest of the
Chronicles of Prydain series.
Anderson, Paul. The Broken Sword, The High Crusade, and
Three Hearts and Three Lions.
Anthony, Piers. Split Infinity and the rest of the Apprentice
Adept series.
Augusta, Lady Gregory. Gods and Fighting Men.
Bear, Elizabeth. Range of Ghosts and the rest of the
Eternal Sky trilogy.
Bellairs,john. The Face in the Frost.
Brackett, Leigh. The Best of Leigh Brackett, The Long
Tomorrow, and The Sword of Rhiannon.
Brooks, Terry. The Sword of Shannara and the rest of the
Shannara noveis.
Brown, Fredric. Hall of Mirrors and What Mad Universe.
Bulfinch, Thomas. Bulfinch's Mythology.
Burroughs, Edgar Rice. At the Earth's Core and the rest
of the Pellucidar series, Pirates of Venus and the rest of
lhe Venus series, and A Princess of Mars and the rest of
the Mars series.
Carter, Lin. Warrior ofWorlds End and the rest of the
World's End series.
Cook, Glen. The Black Company and the rest of the Black
Company series.
de Camp, L. Sprague. The Fallible Fiend and Lest
Darkness Fall.
de Camp, L. Sprague & Fletcher Pratt. The Compleat
Enchanter and the rest of the Harold Shea series, and
Carnelian Cube.
Derleth, August and H.P. Lovecraft. Watchers out ofTime.
Dunsany, Lord. The Book of Wonder, The Essential Lord
Dunsany Collection, The Gods of Pegana, The King of
Elfland's Daughter, Lord Dunsany Compendium, and The
Sword of Welleran and Other Tales.
Farmer, Philip Jose. Maker of Universes and the rest of the
World of Tiers series.
Fax, Gardner. Kothar and the Conjurer's Curse and the rest of the Kolhar series, and Kyrik and the Lost Queen and the rest of the Kyrik series.
Froud, Brian & Alan Lee. Faeries.
Hickman, Tracy & Margarel Weis. Dragons of Autumn Twilight and lhe rest of the Chronicles Trilogy.
Hodgson, William Hope. The Night Land.
Howard, Robert E. The Coming of Conan the Cimmerian and the rest af the Canan series.
jemisin, N.K. The Hundred Thousand Kingdoms and the
rest of the lnheritance series, The Killing Moon, and The
Shadowed Sun.
Jordan, Robert. The Eye of the World and the rest of the Wheel of Time series.
Kay, Guy Gavriel. Tigana.
King, Stephen. The Eyes ofthe Dragon.
Lanier, Sterling. Hiero's Journey and The Unforsaken Hiero.
LeGuin, Ursula. A Wizard of Earthsea and the rest of the
Earthsea series.
Leiber, Fritz. Swords and Deviltry and the rest of the Fafhrd & Gray Mouser series.
Lovecraft, H.P. The Complete Works.
Lynch, Scott. The Lies of Locke Lamora and the rest of the Gentlemen Bastard series.
Martin, George RR. A Game of Thrones and the rest of the
Song of Ice and Fire series.
McKillip. Patricia. The Forgotten Beasts of Eld.
Merritt, A. Creep, Shadow, Creep; DweJlers in the Mirage; and The Moon Pool.
Miéville, China. Perdido Street Station and the other Bas-Lag novels.
Moorcock, Michael. Elric of Melniboné and the rest of the Elric series, and The Jewel in the Skull and the rest of the
Hawkmoon series.
Norton, Andre. Quag Keep and Witch World.
Offutt, Andrew J., ed. Swords against Darkness III.
Peake, Mervyn. Titos Groan and the rest of the Gormenghast series.
Pratchelt, Terry. The Colour of Magic and lhe rest of the Discworld series.
Pratt, Fletcher. Blue Star.
Rothfuss, Patrick. The Name of the Wind and the rest ofthe
Kingkiller series.
Saberhagen, Fred. The Broken Lands and Changeling EartiJ.
Salvatore, RA. The Crystal Shard and the rest of The Legend of Drizzt.
Sanderson, Brandon. Mistborn and the rest of the Mislborn trilogy.
Smith, ClarkAshlon. The Return ofthe Sorcerer.
SI. Clair, Margaret. Change the Sky and Other Stories, The
Shadow People, and Sign of the Labrys.
Tolkien,j.R.R The Hobbit, The Lord of the Rings. and The
Silmarillion.
Tolstoy, Nikolai. The Coming ofthe King.
Vance,Jack. The Dying Earth and The Eyes ofthe Overworld.
Weinbaum, Stanley. Valley of Dreams and The Worlds of If.
Wellman, Manly Wade. The Golgotha Dancers.
Williamson,Jack. The Cosmic Express and The Pygmy Planet.
Wolfe, Gene. The Shadow of the Torturer and the rest of The
Book of the New Sun.
Zelazny, Roger. Jack of Shadows and Nine Princes in Amber and the rest of the Amber series.


quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Resenha: Doom of the Savage Kings

    
   Finalmente mestrei o módulo Doom of the Savage Kings, aventura de 1o nível que vem gratuitamente (ou pelo menos vinha) com a aquisição do corebook do Dungeon Crawl Classics. Abaixo faço um relato de como foi minha experiência com ela, contendo assim, grandes spoilers referente aos acontecimentos detalhados no livreto. Seguindo a qualidade de sempre dos produtos da Goodman Games, o módulo traz uma aventura para ser completada em uma tarde. O grupo que joguei, terminou a história inteira em exatas 5 horas.
    Na trama, nossos personagens iniciam o jogo depois de andar por dias, rodeados pelos descampados lamacentos e nebulosos. Das névoas ao redor, avistam formas humanóides e um grito feminino vindo à frente. Por fim, percebem que se trata de camponeses levando uma bonita moça de cabelos preto-corvo para um sacrifício. Um dos personagens se comoveu pelo apelo da jovem menina e o grupo solicita explicação pelo o que está acontecendo ali. O líder do grupo, diz que estão apenas cumprindo ordens, mas diz se o grupo insiste em levar Morgan de volta, eles terão que dar satisfação ao Jarl de Hirot, uma cidade ao oeste da velha estrada.
Chegando em Hirot
     Assim, os personagens se envolvem no problema da cidade: há três meses, um antigo demônio percorre as ruas e leva uma vítima aleatoriamente da cidade para ser morta em um monumento antigo, erguido por tribos de outrora. Valorosos, os personagens fazem uma apelo à corte do Jarl e a cidade para cessarem os sacrifícios e que eles pensarão em alguma forma para destruir a besta de uma vez por todas, já que a criatura fora duas vezes previamente e sempre retorna. Essa noite, a besta deve ser derrotada uma terceira vez (sendo que os guerreiros do Jarl já haviam matado a fera duas vezes antes) para que todos possam ter tempo para estipular um plano alternativo.

O primeiro encontro com a besta nas ruas do vilarejo
    Doom of the Savage Kings é uma ótima pedida por oferecer uma mistura bem executada entre um rail road (aventura nos trilhos) e o sand box (com um espaço rico a ser explorado livremente pelo grupo). Existe muita coisa a ser explorada dentro das paliçadas da cidade, muitos NPCs detalhados e fora dela, há uma tumba (que foi da onde a besta fora libertada), uma grande e densa floresta, o antigo local sagrado e a área pantanosa onde o demônio se esconde (e de onde renasce, quando destruído). De maneira natural, meu grupo desejou explorar vários desse pontos, bastando uma conversa com os moradores e descobrindo o que havia pelos arredores da cidade e suas lendas.
Pontos altos na sessão:
  • Os jacarés da área pantanosa que quase mataram o grupo
  • A promessa feita a certa bruxa, ao qual resultou num casamento inusitado no final
  • A traição da elfa do grupo ao qual passou a dominar a tumba de seus antepassados
  • O aprisionamento do demônio-lobo na primeira tentativa no final do jogo!
  • A sessão terminou com um gancho não previsto pelo módulo: a elfa traidora libertou outro espírito animal venerado pelos elfos de outrora. Dessa vez um demônio-urso!
    Por fim, é um livreto que apesar de curto, é capaz de dar a partida em uma série de histórias baseadas nessa mesma localidade e desnecessário dizer, com uma arte linda, com direito a 3 lindos mapas: a cidade, a região e uma masmorra bem mortal. Se o módulo Sailors on the Starless Sea (já resenhado aqui) transmite um clima aventuresco de sessão da tarde, esse aqui parece uma matinê de terror com uma boa pegada de Beowulf. E mais: como vencer uma criatura que não pode ser morta?

Bons jogos a todos!

domingo, 4 de dezembro de 2016

Nostalgia: Millenia

Esse livro é guerreiro!
Em 1997, Titanic estava nos cinemas e na livraria do shopping center, comprei Millenia, o primeiro RPG de ficção científica brasileiro. Sua ambientação é 2995, mil anos depois de sua data de lançamento, onde a humanidade estabelece colônias em outros setores da Galáxia. Confesso que tive que vencer três obstáculos para poder jogar Millenia.
     O primeiro deles foi por puro preconceito: ser um RPG nacional. No meu post sobre
Tabelas!
Tagmar eu falei que fazia comparações injustas com o Ad&d na época. Com o Millenia, eu fazia analogias (também injustas) com o Cyberpunk 2020. A saber, eu tinha 11 anos de idade! Millenia nem tinha a intenção de debater o gênero cyberpunk e sim, o Space Opera. Meu segundo obstáculo foi com a arte do livro que vão de fracas a muito boas. Até hoje gosto muito das ilustrações dos equipamentos e armas e das artes de abertura dos capítulos. A terceira barreira era um mal de seu tempo: inúmeras tabelas. Acho que me deixavam confuso em relação às regras. Mas verdade seja dita, anos 80 e 90, bastava abrir um RPG em uma página aleatória e encontrar no mínimo uma tabela. Isso acontecia tanto com jogos gringos quanto nacionais. Shadowrun, por exemplo, usava tabela até para a criação de personagens!
     Felizmente, um ano depois, dei uma chance ao Millenia e me diverti demais com meus
Adoro essas ilustrações.
amigos. Aprendi a enxergar as jóias únicas que tornam esse RPG tão especial e elevado ao status de cult. O livro nos entrega um cenário bem sombrio, onde a Humanidade está saindo de uma nova Idade das Trevas, provocada por um longo período de dominação Fentom (uma raça inumana que escravizou e obliterou grande parte de nossa identidade histórica e social). A República, que protege os principais planetas, emula a antiga República Romana liderando o homem com promessas de um futuro de esperança e glórias. Só isso daria margem para grandes aventuras em Millenia, mas ainda há guerras civis, Casas que disputam poder, conflitos entre as outras raças descritas no livro (incluindo regras para usá-las como personagens-jogadores). As forças armadas da República se dividem em legiões e são lideradas por generais chamados de Pretores. Destaque para as variações de seres humanos: você podia escolher ser oriundo de 3 tipos de gravidade: baixa, normal ou alta, cada uma com ajustes de regra e históricos. Lembro que em minhas campanhas, só permitia os jogadores jogarem com essas variações. As raças alienígenas eram exclusivas para os NPCs.
     No fim, Millenia é uma “caixa de areia” que lhe permite jogar uma campanha altamente militar, ou uma de exploração e descobertas, outras de cunho religioso com direito a cruzadas espaciais, campanhas de espionagem e conspirações, desventuras envolvendo contrabandistas, as combinações são quase infinitas! Meu grupo de jogo vinha até mim e perguntava: “Tem como colocar as criaturas de Alien, o 8º passageiro em Millenia?” “Tem com colocar um planeta cuja sociedade ainda era feudal?” “Tem como colocar uma arma tipo lightsaber?” Eu respondia sim a isso tudo e era diversão garantida naquelas férias de verão.   
     Hoje fica a nostalgia do livro escrito por Paulo Vicente e Ygor Morais, que certamente foram pioneiros no RPG quando só as empresas grandes (Abril Jovem, Ediouro, Saraiva, Devir), tinham coragem de investir nesse nicho aqui no Brasil. Refletindo aqui, não tenho nem ideia dos obstáculos enfrentados pela dupla para colocar esse livro na prateleira onde eu o encontrei no distante ano de 1995.


Até hoje, penso em criar uma adaptação de Mass Effect para Millenia. Mas isso é assunto para outro dia, abraço a todos e boas lembranças.