Esse é o reino de onde o Senhor do Mal envia seus lacaios e vigia os heróis. Não é Mordor... só parece. |
A tal da “Fantasia Baunilha” nos RPGs de fantasia medieval é, por definição, aquela que obedece a vários (ou todos) dos tropes estabelecidos por J.R.R. Tolkien.
Não me entendam mal, sou fã declarado de suas obras e é indiscutível que a sua
pesquisa de world building e linguística
foi divisora de águas. A questão é que ele sedimentou o referencial para a
fantasia medieval desde então, e o Dungeons & Dragons (e muitos outros
jogos) absorveram essas identidades sem dó. Logo, não é nada incomum encontrar
a seguinte premissa: um mundo povoado por humanos, elfos, anões e halfling,
numa jornada para derrotar o Senhor do Mal e seus lacaios orcs, gigantes e goblins.
Quantos personagens por aí, são
descritos como: “um elfo arqueiro tipo o Legolas”, um “anão resmungão tipo
Gimli”, um “ranger misterioso como o Aragorn”, entre outros. Bom, para deixar
registrado logo de cara: nada de errado com isso. Eu mesmo já me diverti muito
com essa proposta. A saber, é a proposta mais rentável (vide Paizo, que sustenta
todo um mercado de jogos com temática vanilla),
de fato, é a mais aceita pelo público em geral. Mas por que?
Ora, a Fantasia Baunilha tem três
grandes vantagens óbvias: ela é segura, ela é familiar e ela foi previamente testada.
Aqueles clichês funcionam. Já vimos a “reação da platéia“, por assim dizer. É segura,
pois se eu falar para os meus jogadores que eles avistam, num canto escuro da
taverna, um homem estranho e sujo fumando um cachimbo, olhando para eles por detrás do capuz, alguém vai exclamar “ ah, saquei, tipo o Passolargo no Pônei
Saltitante, certo?”. Se eu mencionar uma tropa de meio-orcs mercenários, vão
logo lembrar dos Uruk-Hai da visão de Peter Jackson dessas criaturas. Se eu por
acaso, quebrar essa expectativa e dizer que um ecto-plasma cinza acobreado disforme
do semi-plano de Gobmuzu está vindo em direção deles por um corredor escuto, provavelmente,
cada um vai imaginar uma coisa (e sim, isso é um recurso bom para renovar o fôlego
do seu jogo).
Forgotten Realms, por exemplo, é supra-citado como o cenário mais baunilha já criado. Isso ocorre, pois, o seu criador (Ed Greenwood), queria costurar simplesmente
tudo o que ele via pela frente (e pelo interesses mercadológicos da TSR na
época, claro, possuir um cenário para comportar todas as ideias soava bem interessante). Logo, fica a impressão que montaram um checklist de todos os
elementos fantásticos que o cenário de campanha deveria ter:
- Deserto com beduínos exóticos
(check)
- Cidade controlada por
guildas de ladinos (check)
- Floresta povoada por dragões
(check)
- Cidadela que os anões abandonaram
por cavarem muito fundo (check)
- Mago de chapéu pontudo
(check)
- Lich com exército de
mortos-vivos (check)
- General orc unificando
tribos sob seu estandarte (check)
- Conselho de magos malignos
(check)
- Invasão bárbara do norte gélido
(check)
- Entre outros
OK, Minsc é um personagem de Forgotten Realms "fora da caixa", confesso. |
Ou seja, fica claro que
Forgotten Realms fez e ainda faz muito sucesso, por ser essa cama confortável e familiar. Um
convite repleto de elementos que todos na sua mesa irão reconhecer e entender
sem perder muito tempo com explicações e descrições. Por outro lado, pegue
Planescape, lançado para Ad&d 2a edição. O cenário era um dos
mais inovadores já criados (e até hoje mantém o título, na minha opinião). Planescape trabalha
com conceitos metafísicos, leis da física que se moldam dependendo do plano situado, magias que se comportam de maneira variável também, facções inteiras que lutam entre si por questões morais e filosóficas. Entidades misteriosas em origem e
motivações. Na verdade, entendi o porquê de Sigil ter o formato de rosquinha só
recentemente, assistindo a uma palestra de um físico. Em suma, é uma representação quântica do fato dela estar fora das convenções de espaço-tempo. É um cenário tão fora da curva que até hoje não recebeu novo
tratamento.
Só de olhar o mapa dos planos já fico inspirado! |
Por fim, repito: não há nada
de errado em se acomodar e jogar a reconhecível Fantasia Baunilha, em obedecer à
Jornada do Herói de Campbell e por fim, chutar a bunda dos Magos de Thay. Mas às vezes, estamos saturados da fantasia tradicional. Os problemas mais visíveis dessa fantasia tradicional é que ela em determinado ponto (se não logo de cara), torna-se repetitiva e previsível. Se eu abro um corebook e vejo que ele usa de conceitos de "classes de personagem" bem definidas, já é um forte indício que ela vai caminhar nesse sentido. Felizmente, há jogos por aí que fazem você sair da “zona de conforto”. Só de olhar de
relance na minha estante, vejo alguns exemplos: Talislanta, Runequest, Pendragon e até o Numenera (apesar de que ele ainda use classes de personagem). Jogos que abordam visões de uma fantasia com propostas
diferenciadas, que se alimentaram de outras fontes midiáticas e por fim, possuem a
capacidade de inspirar e renovar o fôlego para uma nova campanha.
E vocês, o que acham? Já pegaram
algum jogo para tentar pensar “fora da caixa”?
Gostam de propostas
diferenciadas ou preferem trabalhar elementos familiares?
Abraço a todos e bons jogos!
Bom post Ranieri. Eu particularmente prefiro os mundos clássicos, principalmente de Forgotten. Minha predileção por ele é pq permite diferente tipos de opções e histórias para narrar uma campanha, devido à sua vastidão. Mas já cheguei a jogar no mundo de Titan com um grupo por um breve período.
ResponderExcluirDe qualquer forma, reconheço que seria legal explorar outros mundos, como por exemplo Dark Sun, que eu acho muito maneiro.
Valeu Diogo. Como bem entendeu, não estou invalidando a fantasia "padrão", apenas apontando outros horizontes a serem explorados caso, o seu grupo ou o mestre estejam saturados. É sempre gosto pessoal, no final das contas. Eu devo muito a Forgotten Realms mesmo. Tive campanhas longevas, amo Baldur's Gate e os romances, até hoje. Abraço e obrigado por comentar.
ResponderExcluirQual explicação da Rosquinha, por favor!??
ResponderExcluirO lance é que o Torus (esse formato rosquinha) é uma representação 3D aceita por muitos meta-físicos sobre o espaço-tempo. Logo, é o criador de Planescape, dizendo que Sigil (em formato de Torus https://en.wikipedia.org/wiki/Torus ) está fora das convenções de tempo e espaço, pelo menos como os conhecemos no Plano Material. Se curte esse assunto, sugiro essa palestra: https://www.youtube.com/watch?v=UQyzjX_OM8o
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