terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Bone Tomahawk é uma aventura de DCC!





NOTA: esse artigo não contém Spoilers. Apenas pontuo 5 argumentos para assistir ao filme.

    Acredito que não sou o único que depois de assistir um bom filme, se pega refletindo: “Uau! Isso daria uma aventura de RPG e tanto!” Isso acontece por vários motivos ou uma combinação de fatores: pode ser pela trama em si, pela maneira que as situações são estruturadas ou pela riqueza da construção dos personagens. “Bone Tomahawk” possui tudo isso. Abaixo, 5 motivos para você parar o que está fazendo, logar no Netflix e procurar por esse filme.

Brincando com as expectativas: algumas semanas atrás, um amigo me indicou esse filme, que recebeu o péssimo nome aqui no Brasil de “Rastros de Maldade”, referência clara ao clássico “Rastros de Ódio” com John Wayne. Mas esqueça qualquer outra comparação, pois o filme de 2015, escrito e dirigido por S.Craig Zahler desconstrói o gênero e brinca o tempo toda com suas expectativas. O que o Dungeon Crawl Classics faz com maestria também dentro do escopo de fantasia medieval. Se você acha que vai encontrar um western recheado de clichês, esqueça. Prepare-se para ser surpreendido com uma trama simples, mas extremamente bem executada.

Mortalidade: o segundo ponto que destaco a semelhança com o DCC é a mortalidade. Escolhas erradas possuem conseqüências pesadas. Qual caminho pegar? O que o inimigo faria? Quem agir impetuosamente, provavelmente irá morrer. O filme cria uma aura de tensão quase tangível! Uma edição cinematográfica seca, que não romanceia a violência, nem glorifica o sangue, torna aquele mundo nefasto e letal.   



Funil de personagens na prática: apesar de ser um grupo pequeno, os quatro aventureiros de Bone Tomahawk são pessoas simples de uma pequena cidade. Não há heróis de lendas antigas, ninguém especial. Um ancião senil, um xerife velho, um aleijado e um “almofadinha”. Você se importa com todos eles! No final, recompensa quem tiver boas idéias e souber gerenciar os recursos disponíveis.

Antagonistas únicos: nossos personagens já encontraram índios antes. Um deles já matou vários deles, na verdade. Mas nada nesse mundo, teria preparado o grupo para o que irão se deparar. Inimigos únicos + bizarrices = Dungeon Crawl Classics RPG.



Não segura a sua mãozinha: não é a primeira vez que comento isso aqui no blog, mas num mundo onde (infelizmente) os filmes, os jogos eletrônicos e até os RPGs, perguntam se você está bem e feliz. “Bone Tomahawk” faz o que o DCC também faz: entrega-lhe uma voadora no meio do peito. Não me importa se você se apegou a determinado personagem: se ele fizer uma escolha errada, provavelmente vai morrer. Simples assim.

Dito isso, boa diversão a todos!  

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Apêndice E

    
A lista original e a da 5a edição de D&D.
    Acha-se facilmente pelos blogs nacionais e gringos, posts sobre o lendário Apêndice N do Ad&d 1st edition, registro esse, criado por Gary Gygax listando as fonte de inspiração para a elaboração do jogo. Com o crescimento do movimento OSR, aconteceu uma verdadeira “caça ao tesouro” com fãs ao redor do mundo procurando os livros e compilações das sagas mencionadas pelo autor. São livros que variam do raro, aos que podem ser encontrados mais facilmente em sebos e livrarias que exportam. Entretanto, pouco se diz sobre o Apêndice E presente no Player´s Handbook da 5a edição do Dungeons & Dragons, clara referência à famosa lista de 1979. Logo, destaco dois pontos:
    Primeiro:que é inegável que temos um leque incrível de “novos clássicos”. Autores como Brandon Sanderson, Patrick Rothfuss, Scott Lynch, Joe Abercrombie, George R.R. Martin, talharam seus nomes em sagas excelentes e muitos deles, redefiniram vários tropes do gênero. A maioria deles, ainda destaca a importância que o RPG teve em suas vidas e formações como escritores. É no mínimo interessante, refletir que no Apêndice N, a literatura pulp proporcionou a matéria-prima para o D&D, enquanto que no Apêndice E, o caminho foi inverso: o D&D proporcionou matéria-prima e novas percepções para a literatura fantástica vindoura.
    Segundo: vivemos um boom de literatura especulativa muito feliz no Brasil. Mesmo a passos lentos, hoje em dia, temos ótimos livros traduzidos. Dos clássicos verdadeiros, presentes no Apêndice N, temos compilações de contos do H.P. Lovecraft, de Robert E. Howard, e em sebos, é possível encontrar várias obras de Jack Vance, por exemplo. Mesmo não mencionado por Gygax, temos o primeiro livro da saga de Elric que também é fenomenal para entender o clima contido nas versões antigas do D&D. Já dos “novos clássicos” temos um montante de lançamentos desde o fagulha acendida pelos livros de George R.R. Martin aqui no Brasil: Robert Jordan com sua saga A Roda do Tempo, O Nome do Vento (e sua continuação O Temor do Sábio), O Feiticeiro de Terramar, Estação Perdido (de China Mieville, autor referencial de Weird Fantasy), As Mentiras de Locke Lamora, a fantasia militar da Companhia Negra de Glen Cook, Tigana, a fodástica saga Mistborn, a trilogia da Primeira Lei, são apenas alguns exemplos dos maravilhosos livros que temos hoje disponíveis em nossa língua. Cada editora correu atrás para apanhar uma fatia desse nicho em expansão.

Apenas alguns dos livros do Apêndice E. Todos esses em português já!
    Nem preciso dizer que é vital aprender inglês, mas sei que tem bons leitores por aí que ainda se sentem intimidados a pegar um romance gringo de 500 páginas. É fato que ler em inglês vai te aprimorar academicamente e ainda expandir o leque já enorme de títulos, apesar de (por motivos óbvios) ser mais confortável para qualquer um, ler em sua língua nativa. Por fim, 2017 é um ano que pretendo resenhar grande parte dessas sagas aqui no blog. Fiquem atentos!


 Boa leitura a todos.    

Abaixo as obras listadas no Apêndice E (obrigado Thiago Rosa pela lista formatada):

Ahmed, Saladin. Throne of the Crescent Moon.
Alexander, Lloyd.The Book ofThree and the rest of the
Chronicles of Prydain series.
Anderson, Paul. The Broken Sword, The High Crusade, and
Three Hearts and Three Lions.
Anthony, Piers. Split Infinity and the rest of the Apprentice
Adept series.
Augusta, Lady Gregory. Gods and Fighting Men.
Bear, Elizabeth. Range of Ghosts and the rest of the
Eternal Sky trilogy.
Bellairs,john. The Face in the Frost.
Brackett, Leigh. The Best of Leigh Brackett, The Long
Tomorrow, and The Sword of Rhiannon.
Brooks, Terry. The Sword of Shannara and the rest of the
Shannara noveis.
Brown, Fredric. Hall of Mirrors and What Mad Universe.
Bulfinch, Thomas. Bulfinch's Mythology.
Burroughs, Edgar Rice. At the Earth's Core and the rest
of the Pellucidar series, Pirates of Venus and the rest of
lhe Venus series, and A Princess of Mars and the rest of
the Mars series.
Carter, Lin. Warrior ofWorlds End and the rest of the
World's End series.
Cook, Glen. The Black Company and the rest of the Black
Company series.
de Camp, L. Sprague. The Fallible Fiend and Lest
Darkness Fall.
de Camp, L. Sprague & Fletcher Pratt. The Compleat
Enchanter and the rest of the Harold Shea series, and
Carnelian Cube.
Derleth, August and H.P. Lovecraft. Watchers out ofTime.
Dunsany, Lord. The Book of Wonder, The Essential Lord
Dunsany Collection, The Gods of Pegana, The King of
Elfland's Daughter, Lord Dunsany Compendium, and The
Sword of Welleran and Other Tales.
Farmer, Philip Jose. Maker of Universes and the rest of the
World of Tiers series.
Fax, Gardner. Kothar and the Conjurer's Curse and the rest of the Kolhar series, and Kyrik and the Lost Queen and the rest of the Kyrik series.
Froud, Brian & Alan Lee. Faeries.
Hickman, Tracy & Margarel Weis. Dragons of Autumn Twilight and lhe rest of the Chronicles Trilogy.
Hodgson, William Hope. The Night Land.
Howard, Robert E. The Coming of Conan the Cimmerian and the rest af the Canan series.
jemisin, N.K. The Hundred Thousand Kingdoms and the
rest of the lnheritance series, The Killing Moon, and The
Shadowed Sun.
Jordan, Robert. The Eye of the World and the rest of the Wheel of Time series.
Kay, Guy Gavriel. Tigana.
King, Stephen. The Eyes ofthe Dragon.
Lanier, Sterling. Hiero's Journey and The Unforsaken Hiero.
LeGuin, Ursula. A Wizard of Earthsea and the rest of the
Earthsea series.
Leiber, Fritz. Swords and Deviltry and the rest of the Fafhrd & Gray Mouser series.
Lovecraft, H.P. The Complete Works.
Lynch, Scott. The Lies of Locke Lamora and the rest of the Gentlemen Bastard series.
Martin, George RR. A Game of Thrones and the rest of the
Song of Ice and Fire series.
McKillip. Patricia. The Forgotten Beasts of Eld.
Merritt, A. Creep, Shadow, Creep; DweJlers in the Mirage; and The Moon Pool.
Miéville, China. Perdido Street Station and the other Bas-Lag novels.
Moorcock, Michael. Elric of Melniboné and the rest of the Elric series, and The Jewel in the Skull and the rest of the
Hawkmoon series.
Norton, Andre. Quag Keep and Witch World.
Offutt, Andrew J., ed. Swords against Darkness III.
Peake, Mervyn. Titos Groan and the rest of the Gormenghast series.
Pratchelt, Terry. The Colour of Magic and lhe rest of the Discworld series.
Pratt, Fletcher. Blue Star.
Rothfuss, Patrick. The Name of the Wind and the rest ofthe
Kingkiller series.
Saberhagen, Fred. The Broken Lands and Changeling EartiJ.
Salvatore, RA. The Crystal Shard and the rest of The Legend of Drizzt.
Sanderson, Brandon. Mistborn and the rest of the Mislborn trilogy.
Smith, ClarkAshlon. The Return ofthe Sorcerer.
SI. Clair, Margaret. Change the Sky and Other Stories, The
Shadow People, and Sign of the Labrys.
Tolkien,j.R.R The Hobbit, The Lord of the Rings. and The
Silmarillion.
Tolstoy, Nikolai. The Coming ofthe King.
Vance,Jack. The Dying Earth and The Eyes ofthe Overworld.
Weinbaum, Stanley. Valley of Dreams and The Worlds of If.
Wellman, Manly Wade. The Golgotha Dancers.
Williamson,Jack. The Cosmic Express and The Pygmy Planet.
Wolfe, Gene. The Shadow of the Torturer and the rest of The
Book of the New Sun.
Zelazny, Roger. Jack of Shadows and Nine Princes in Amber and the rest of the Amber series.


quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Resenha: Doom of the Savage Kings

    
   Finalmente mestrei o módulo Doom of the Savage Kings, aventura de 1o nível que vem gratuitamente (ou pelo menos vinha) com a aquisição do corebook do Dungeon Crawl Classics. Abaixo faço um relato de como foi minha experiência com ela, contendo assim, grandes spoilers referente aos acontecimentos detalhados no livreto. Seguindo a qualidade de sempre dos produtos da Goodman Games, o módulo traz uma aventura para ser completada em uma tarde. O grupo que joguei, terminou a história inteira em exatas 5 horas.
    Na trama, nossos personagens iniciam o jogo depois de andar por dias, rodeados pelos descampados lamacentos e nebulosos. Das névoas ao redor, avistam formas humanóides e um grito feminino vindo à frente. Por fim, percebem que se trata de camponeses levando uma bonita moça de cabelos preto-corvo para um sacrifício. Um dos personagens se comoveu pelo apelo da jovem menina e o grupo solicita explicação pelo o que está acontecendo ali. O líder do grupo, diz que estão apenas cumprindo ordens, mas diz se o grupo insiste em levar Morgan de volta, eles terão que dar satisfação ao Jarl de Hirot, uma cidade ao oeste da velha estrada.
Chegando em Hirot
     Assim, os personagens se envolvem no problema da cidade: há três meses, um antigo demônio percorre as ruas e leva uma vítima aleatoriamente da cidade para ser morta em um monumento antigo, erguido por tribos de outrora. Valorosos, os personagens fazem uma apelo à corte do Jarl e a cidade para cessarem os sacrifícios e que eles pensarão em alguma forma para destruir a besta de uma vez por todas, já que a criatura fora duas vezes previamente e sempre retorna. Essa noite, a besta deve ser derrotada uma terceira vez (sendo que os guerreiros do Jarl já haviam matado a fera duas vezes antes) para que todos possam ter tempo para estipular um plano alternativo.

O primeiro encontro com a besta nas ruas do vilarejo
    Doom of the Savage Kings é uma ótima pedida por oferecer uma mistura bem executada entre um rail road (aventura nos trilhos) e o sand box (com um espaço rico a ser explorado livremente pelo grupo). Existe muita coisa a ser explorada dentro das paliçadas da cidade, muitos NPCs detalhados e fora dela, há uma tumba (que foi da onde a besta fora libertada), uma grande e densa floresta, o antigo local sagrado e a área pantanosa onde o demônio se esconde (e de onde renasce, quando destruído). De maneira natural, meu grupo desejou explorar vários desse pontos, bastando uma conversa com os moradores e descobrindo o que havia pelos arredores da cidade e suas lendas.
Pontos altos na sessão:
  • Os jacarés da área pantanosa que quase mataram o grupo
  • A promessa feita a certa bruxa, ao qual resultou num casamento inusitado no final
  • A traição da elfa do grupo ao qual passou a dominar a tumba de seus antepassados
  • O aprisionamento do demônio-lobo na primeira tentativa no final do jogo!
  • A sessão terminou com um gancho não previsto pelo módulo: a elfa traidora libertou outro espírito animal venerado pelos elfos de outrora. Dessa vez um demônio-urso!
    Por fim, é um livreto que apesar de curto, é capaz de dar a partida em uma série de histórias baseadas nessa mesma localidade e desnecessário dizer, com uma arte linda, com direito a 3 lindos mapas: a cidade, a região e uma masmorra bem mortal. Se o módulo Sailors on the Starless Sea (já resenhado aqui) transmite um clima aventuresco de sessão da tarde, esse aqui parece uma matinê de terror com uma boa pegada de Beowulf. E mais: como vencer uma criatura que não pode ser morta?

Bons jogos a todos!

domingo, 4 de dezembro de 2016

Nostalgia: Millenia

Esse livro é guerreiro!
Em 1997, Titanic estava nos cinemas e na livraria do shopping center, comprei Millenia, o primeiro RPG de ficção científica brasileiro. Sua ambientação é 2995, mil anos depois de sua data de lançamento, onde a humanidade estabelece colônias em outros setores da Galáxia. Confesso que tive que vencer três obstáculos para poder jogar Millenia.
     O primeiro deles foi por puro preconceito: ser um RPG nacional. No meu post sobre
Tabelas!
Tagmar eu falei que fazia comparações injustas com o Ad&d na época. Com o Millenia, eu fazia analogias (também injustas) com o Cyberpunk 2020. A saber, eu tinha 11 anos de idade! Millenia nem tinha a intenção de debater o gênero cyberpunk e sim, o Space Opera. Meu segundo obstáculo foi com a arte do livro que vão de fracas a muito boas. Até hoje gosto muito das ilustrações dos equipamentos e armas e das artes de abertura dos capítulos. A terceira barreira era um mal de seu tempo: inúmeras tabelas. Acho que me deixavam confuso em relação às regras. Mas verdade seja dita, anos 80 e 90, bastava abrir um RPG em uma página aleatória e encontrar no mínimo uma tabela. Isso acontecia tanto com jogos gringos quanto nacionais. Shadowrun, por exemplo, usava tabela até para a criação de personagens!
     Felizmente, um ano depois, dei uma chance ao Millenia e me diverti demais com meus
Adoro essas ilustrações.
amigos. Aprendi a enxergar as jóias únicas que tornam esse RPG tão especial e elevado ao status de cult. O livro nos entrega um cenário bem sombrio, onde a Humanidade está saindo de uma nova Idade das Trevas, provocada por um longo período de dominação Fentom (uma raça inumana que escravizou e obliterou grande parte de nossa identidade histórica e social). A República, que protege os principais planetas, emula a antiga República Romana liderando o homem com promessas de um futuro de esperança e glórias. Só isso daria margem para grandes aventuras em Millenia, mas ainda há guerras civis, Casas que disputam poder, conflitos entre as outras raças descritas no livro (incluindo regras para usá-las como personagens-jogadores). As forças armadas da República se dividem em legiões e são lideradas por generais chamados de Pretores. Destaque para as variações de seres humanos: você podia escolher ser oriundo de 3 tipos de gravidade: baixa, normal ou alta, cada uma com ajustes de regra e históricos. Lembro que em minhas campanhas, só permitia os jogadores jogarem com essas variações. As raças alienígenas eram exclusivas para os NPCs.
     No fim, Millenia é uma “caixa de areia” que lhe permite jogar uma campanha altamente militar, ou uma de exploração e descobertas, outras de cunho religioso com direito a cruzadas espaciais, campanhas de espionagem e conspirações, desventuras envolvendo contrabandistas, as combinações são quase infinitas! Meu grupo de jogo vinha até mim e perguntava: “Tem como colocar as criaturas de Alien, o 8º passageiro em Millenia?” “Tem com colocar um planeta cuja sociedade ainda era feudal?” “Tem como colocar uma arma tipo lightsaber?” Eu respondia sim a isso tudo e era diversão garantida naquelas férias de verão.   
     Hoje fica a nostalgia do livro escrito por Paulo Vicente e Ygor Morais, que certamente foram pioneiros no RPG quando só as empresas grandes (Abril Jovem, Ediouro, Saraiva, Devir), tinham coragem de investir nesse nicho aqui no Brasil. Refletindo aqui, não tenho nem ideia dos obstáculos enfrentados pela dupla para colocar esse livro na prateleira onde eu o encontrei no distante ano de 1995.


Até hoje, penso em criar uma adaptação de Mass Effect para Millenia. Mas isso é assunto para outro dia, abraço a todos e boas lembranças.

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

5 Dicas para sua One-Shot


Uma aventura pode ser pensada como parte de algo maior, ao qual o Mestre/Narrador pense em dar continuidade imediata, criando aos poucos uma história a ser contada em várias sessões de jogo. Essa é a campanha. A alternativa é a one-shot, jogo estipulado para iniciar e terminar em uma única sessão de jogo (confesso que já dividi uma ou outra one-shot em duas sessões). Algumas coisas devem ser pensadas quando estruturar seu jogo dessa maneira. Abaixo, destaco algumas dicas que sempre levo em consideração.

Estipule um objetivo claro

É muito fácil se perder e elaborar vários objetivos, side-quests e se perder na trama principal de uma one-shot. Criar muitos sub-plots dará margem para que o grupo saia rapidamente do foco inicial. Por isso, elabore uma trama simples como: “escoltar a carga do ponto A ao ponto B”, “resgatar a princesa”, “pagar uma dívida”, “roubar um tesouro”. A aventura Os Fossos da Morte de Yandro (disponível gratuitamente aqui no blog) foi escrita para ser jogada em um único dia e tem como objetivo: “expulsar o mal da mina de ferro”. Por último, deixe claro aos jogadores a necessidade desse objetivo ser completado. Na aventura citada, seria: “permitir que os mineradores possam voltar a trabalhar e a cidade prosperar novamente”.

Micro-cosmo

Limite o território de sua história. Se sua trama se passa em Baldur´s Gate, entregue um mapa da cidade e de seus arredores apenas. Ao entregar ao seu grupo, o mapa de toda Faerun, irá dar espaço para um passeio místico por Thay ou uma viagem de compras de vinte dias pelos bazares exóticos de Calimsham! Melhor deixar essas coisas para one-shots que de fato, se passem nesses lugares.

Ação frenética

Desencoraje conversas paralelas e outras distrações. Numa one-shot, a história deve andar seguindo o ritmo de um filme. Assim como um processo de direção/edição cinematográfica, corte cenas desnecessárias, vá direto para o que importa, leia a aventura previamente e como num roteiro, saiba o que de fato faz a história progredir. Para estruturar melhor esse conceito gosto de trabalhar com o seguinte esqueleto dramático usado em Hollywood:

Ato 1 – Ponto de virada A – Ato 2 – Ponto de Virada B – Ato 3 - Conclusão

Nos Pontos de Virada, algum acontecimento drástico deve acontecer para mover a trama para o próximo ato: pode ser a captura do grupo, a revelação de um traidor, a morte de um personagem. Algo que faça o grupo agir de imediato!

Carta na manga

Surpresas são inevitáveis. É uma das graças do RPG, na verdade. Conhecendo a história que vai contar, pense em algumas alternativas caso o grupo saia da linha planejada, pense em como retornar (de preferência sem que percebam), ao rumo da aventura o mais rápido possível. Alguns NPCs e mapas extras podem estar prontos caso o grupo vá uma região não-estipulada na trama original.

Conclua sua história

Deixe as muitas reviravoltas da trama para as campanhas. Geralmente, permito a one-shot ter espaço para apenas duas reviravoltas, ou seja, os Pontos de Virada explicados acima. O importante aqui é dar uma sensação de fechamento e recompensa para o grupo. Eles devem sentir que fizeram a diferença, seja para uma única pessoa, para um vilarejo, para o reino ou mesmo para o mundo inteiro! É hora de recompensar as boas ideias e os esforços da equipe. Ela pode vir na forma de dinheiro, recursos, fama, honrarias, entre outras. Uma boa tática é pensar é refletir: “se isso fosse um filme, como seria a cena final?” O grupo é convidado para um casamento? A cidade está em festa? Os personagens são convocados para uma reunião formal? Honrarias militares com direito à medalhas como em Star Wars? Sua imaginação é o limite.


 Bons jogos a todos!    

sábado, 26 de novembro de 2016

Resenha: O Império da Imaginação


AVISO: o Blog está com um botão de seguidores no topo da coluna lateral. Quem desejar virar seguidor, seja bem-vindo. Vocês serão os primeiros a receber as aventuras e conteúdos de download vindouros do blog. Obrigado aos leitores que sempre acompanham os posts!


Meu Deus, que capa horrível!
     Meses atrás, resenhei o livro Dados & Homens (Ed. Record) aqui no blog. A editora Leya, querendo angariar esse nicho também, trouxe recentemente o livro Dungeons & Dragons: O Império da Imaginação, escrito por Michael Witwer, irmão do ator e dublador Sam Witwer (se ainda não caiu a ficha: o cara de Star Wars Force Unleashed). Tal livro, se propõe a ser uma biografia de Gary Gygax, co-criador do primeiro e mais famoso RPG do mundo. Um adendo sobre a capa: se eu falei que a capa do Dados & Homens era feia, registro aqui a mudança de opinião. A capa selecionada para nossa versão nacional é hedionda! Na gringa, a capa emula a capa do Unearthed Arcana original, com o rosto do mago, sendo trocado pelo rosto de Gygax. A Leya optou por uma capa que emula, porcamente, o Livro do Mestre da 3ª edição, o que não faz muito sentido, tendo em vista que D&D está em sua 5ª edição, caso o apelo fosse associar de maneira imediata ao jogo que a “galera está jogando” atualmente. Sofrível. Julgamos a capa, mas e o conteúdo?

O livro inicia com os relatos sobre Gygax ainda pequeno, e como as experiências do menino iriam marcá-lo para sempre (inclusive, com duas experiências envolvendo assombração!). Ter poucos, mas fiéis amigos, explorar o sanatório abandonado da cidade e as tardes passadas no quarto, consumindo as pulp magazines que seu pai lhe comprava. A escrita de Witwer ganha por ser um ponto de vista mais humano e intrigante, menos jornalístico como o Dados & Homens. Na verdade, esse livro emana uma genuína admiração por seu ídolo, romanceando alguns pontos e referenciando outros ao qual existem provas de como os fatos se sucederam, seja por entrevistas do próprio Gygax ou conversas telefônicas com os envolvidos nas etapas cruciais que demarcaram o auge e a queda da TSR. Se eu havia reclamado que o Dados & Homens não possuía fotografias, aqui, as páginas centrais, ilustram vários momentos bacanas para os fãs, como fotos de Gygax e Arnenson nas primeiras GENCON!

O autor ainda preenche sua narrativa com várias curiosidades, por exemplo: você sabia que os módulos eram criados em páginas coloridas (sabe aquelas folhas A4 magentas ou azuis?) para prejudicar a qualidade das fotocópias e assim, evitar a pirataria do material?  A versão nacional possui ainda vários erros de digitação (às vezes escrevendo TRS ao invés de TSR) e tradução (vou dar um exemplo: o título Casualties of Wargames, foi traduzido como Casualidades dos Jogos de Guerra, quando na verdade seria Baixas nos Jogos de Guerra, termo militar formal para uma morte, justamente, capítulo que relata a perda do melhor amigo de Gary. Entretanto, esses erros não atrapalham a leitura.

Por fim, o lançamento da Leya é uma ótima pedida para os fãs. Michael Witwer escreveu uma linda homenagem de uma história trágica com traição de todos os lados (nem imagino como deve se sentir uma pessoa expulsa da própria empresa!). Felizmente Gary Gygax fora reconhecido no final das contas, chegando a entrar no Top 50 das pessoas mais influentes na cultura pop e na ficção científica. A história contada, ainda é um testemunho de conversão cristã do criador de D&D, que anos atrás havia sido acusado de satanismo e de que o jogo causaria transtornos psíquicos. Em seus últimos dias, Gygax se livrou de todo o rancor acumulado, fez as pazes com as pessoas próximas a ele, consigo mesmo e com Deus.

Boa leitura a todos!

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Relato de jogo: Call of Cthulhu

Descobri que calda de morango emula sangue muito bem!
Outubro fiz uma mesa temática de horror usando a 5a edição de Call of Cthulhu da Chaosium. Esse é um RPG que joguei menos do que gostaria, infelizmente. Nos anos 90, eu não tinha o livro e usava outros jogos para emular esse climão de terror e investigação que adorava, graças à febre de Arquivo X naquela década. Usava o Trevas para detetives do sobrenatural, e GURPS Illuminati para algo especificamente ligado à extraterrestres vivendo entre nós e conspirações governamentais. Adoro os jogos citados, mas queria experimentar o “jogo de raiz”, que abriu as portas para o gênero. Estava inseguro quanto ao sistema, temendo que estivesse defasado diante de tantos jogos novos. Sabia que o sistema Daemon (que eu joguei durante toda a adolescência), havia “chupinhado” vários elementos, como o sistema de distribuição de perícias, testes de porcentagem utilizando o D100, dano das armas, pontos de magia e tabelas de valores ativos contra valores passivos. Adiante, separei minhas percepções observadas na mesa de jogo:

Ambientação


Narrar qualquer jogo, exige conhecimento prévio de sua proposta: óbvio. Um Narrador com uma bagagem em fantasia medieval vai “tirar de letra”, um D&D maroto. Alguém que tenha lido os livros da Anne Rice, pode elaborar uma campanha inesquecível de Vampiro: a Máscara (ou de Réquiem). Li alguns contos de H.P Lovecraft (na verdade, preciso ler todos!) e o livro O Rei de Amarelo para transmitir de maneira mais natural possível, o clima das obras. Principalmente de estipular um ritmo de investigação e exposição gradual do sobrenatural. Tenho e recomendo o livro ao lado, já traduzido para o português.

Perícias

Como mencionei acima, as perícias estão ligadas à profissão e à idade do seu personagem. Mas o “pulo do gato” aqui, é a caixinha ao lado de cada perícia. Sempre que passar em um teste (ou seja, rolar menor ou igual em 1D100), você marca a perícia. No final da sessão, cada jogador pode tentar aumentar esse valor, bastando lançar novamente o D100 e tentar tirar MAIOR que o valor na ficha. Caso consiga, lance 1d10 e veja em quantos pontos aumentou aquela perícia. Acho genial essa mecânica (que está presente em Pendragon também). Logo, você só aumenta perícias que de fato, utilizou na partida.

Sanidade e Pontos de Magia

Os pontos de magia utilizei muito pouco: como não coloquei (pelo menos na primeira sessão) tomos arcanos para serem lidos, nem inscritos mágicos para serem acionados. Apenas um dos jogadores utilizou um ponto para acessar uma assinatura mística, um rastro deixado inconsciente ou conscientemente pela pessoa que investigam. A sanidade usei mais: ao notar eventos bizarros e no final da sessão quando se depararam com um enfermeiro cometendo suicídio.

Mortalidade

O jogo é mortal e meus jogadores sabem disso. Logo, evitaram combate nos 2 momentos que achei que fossem sacar pistolas. Todas as cenas forma resolvidas na conversa, na futilidade e uma porta arrombada a força. Depois de campanhas inteiras de fantasia heróica, é um baque passar uma sessão de 5 horas sob esses termos. Recomendo.

Handouts

Os famosos acessórios para enriquecer o jogo! Faz como que os jogadores possam realmente tocar e analisar, buscando pistas. Utilizei um laudo médico de legista, uma carta e um seringa. Esses três itens foram encontrados dentro do jogo e foram entregues aos jogadores para elaborarem suas teorias sobre o mistério proposto. Acredito que 3 é um número ideal por vários motivos: o misticismo do número (trilogias e tríades fazem sentido em nosso sub-consciente), gosto de dividir minhas aventuras em 3 atos, por isso, entreguei um objeto no final de cada ato. Além disso, 3 partes, demarcam bem a estrutura de início, meio e fim.


Call of Cthulhu dispensa apresentações e possui uma versão traduzida hoje em dia aqui no Brasil. Recomendo ler as obras literárias citadas acima, para emular melhor o clima único e onírico que é criado ao investigar os Mythos. Bons jogos a todos! 

sábado, 12 de novembro de 2016

Nostalgia: Undermountain

     
Esse é o kit completo.
      Lançado na gringa em 1991 e aqui no Brasil pela Abril Jovem em 1996, Undermountain é a maior masmorra oficial de Dungeons & Dragons. A mega-dungeon foi criada por Ed Greenwood para sua campanha caseira em 1975 e fez grande sucesso entre os veteranos na época, estando presente no Top 20 das aventuras mais marcantes. Interessante notar que a aventura-cenário, teria tudo para ser estruturada em um railroad padrão, mas parte de sua premissa era estimular o sand-box, colocando diante dos olhos dos jogadores, um cenário dentro do cenário (pois a masmorra jaz abaixo da totalidade de Waterdeep), ou seja: rico em detalhes, desafios, armadilhas, NPCs e tesouros únicos.
     Undermoutain, nasceu de um rara aliança entre anões e elfos que iniciaram as escavações
Halaster, o louco.
eras atrás. Clichê certo? Mas outras criaturas foram rapidamente atraídas para o local e uma guerra entre os clãs de várias raças se iniciou para conquistar seus salões. O cessar fogo só aconteceu com a chegada do mago louco: Halaster Blackcloak, que basicamente escravizou a todos e estabeleceu as imensas galerias como base de operações e laboratório para seus experimentos insanos. Esses fatos dão “pano pra manga” para inúmeras aventuras envolvendo o labiríntico complexo, os experimentos de Halaster ou mesmo, as guerras entre as facções que controlam os diferentes níveis das masmorras.
     O material lançado no Brasil é idêntico ao original, exceto que não vinha num boxed set. Mas está tudo lá:

- Fichas de criaturas/experimentos de Halaster
- Cartões de consulta rápida para o DM
- 4 mapas gigantes dos níveis de Undermoutain    
- 1 livreto com aventuras prontas
- 1 livro descrevendo CADA cômodo da mega-masmorra

Dá pra fazer uma campanha inteira dentro desse lugar!
     Passear por Undermoutain é certeza de diversão! Corredores que pegam fogo
Esse era meu cartão predileto!
magicamente, portais caóticos, itens mágicos amaldiçoados, um campo de trabalho forçado, uma cidadela drow, e a chance de encontrar o Halaster em pessoa, fecha com “chave de ouro”, o local que tem grandes chances de fornecer um genuíno TPK! Para os bravos e sortudos, existem artefatos de grande poder, magias exclusivas formuladas nos tomos escritos por Halaster, e possíveis aliados em alguns cômodos. Eu disse alguns. Lembro que a primeira vez que usei Undermoutain, foi uma quest para obter um Pergaminho de Desejo, único no mundo e redigido por Halaster, antes de desaparecer dos registros. Conduzi cerca de 10 sessões nos subterrâneos mágicos que se renovam por ter um ecossistema próprio, NPCs marcantes e desafios nunca vistos até então, no Ad&d. Para jogos mais recentes, seria interessante usar Undermoutain como um cenário fechado, cujos habitantes criam teorias complexas do que existe do lado de fora e co-existem numa frágil trégua. Funcionando perfeitamente bem com o
Dungeon Crawl Classics, Dungeon World (literalmente!) ou Lamentations of the Flame Princess, a tríade de jogos que ando mais pilhado ultimamente.


Independente da sua escolha, bons jogos e boas lembranças!  

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

5 Coisas que eu gosto no Rules Cyclopedia


Ontem, estava tirando poeira do meu Rules Cyclopedia e relendo alguns capítulos, anotei cinco coisas que me agradam demais nessa obra que é considerada o Santo Graal dos livros de RPG.

A arte uniforme

É raro e estrategicamente difícil para uma obra, ter apenas um artista. É uma norma editorial quase regida por bom senso, pulverizar a arte do livro para não sobrecarregar ninguém, certo? Bom, a TSR utilizou a arte de Terry Dykstra para todo o livro, com algumas artes originais e muitas já apresentadas nas caixas Basic, Expert, Companion e Masters. Sinto-me bem folheando o livro e ver uma arte uniforme. Se você jogou o lendário D&D da Grow aqui no Brasil, lembra bem do traço forte e limpo de Dykstra.




Tudo em um único lugar

É uma sensação boa também, perceber que todo o material de campanha está em um mesmo livro: as regras de nível 1 ao 36, as magias, as criaturas a serem enfrentadas, os itens mágicos, as dicas para mestrar, para elaborar sua aventura, até o cenário de jogo está lá! É inegável, que o Rules é um livro redondo e bem compactado.

Mystara como mundo oficial

Karameikos foi o primeiro reino oficial por onde meu grupo se aventurou. Em 1994, jogando D&D da Grow, usava um mundo 100% inventado com meus colegas da escola (que girava em torno da Excalibur!). O Rules Cyclopedia usar Mystara como base, era juntar o útil ao agradável. Os detalhes são en passant, claro, mas é apresentado um ótimo material para um sólido “ponto de partida”, contando ainda, com lindos mapas coloridos.


O Mestre mandou

Esse é polêmico! Em tempos onde os RPGs (analógicos ou eletrônicos) seguram sua mão e perguntam se você está bem e feliz, o Rules Cyclopedia é imperativo: ”Não faça isso” ou “Faça isso!”. As regras dizem o tempo todo: ”pergunte ao seu Dungeon Master se ele permite você fazer isso”, ou “entregue os dados para o DM, diga o valor de sua habilidade e ele fará esse teste para você”. E eu acho isso lindo! Hahaha! A titulo de curiosidade, essa versão é a que não permite, por exemplo, aos clérigos usarem armas de corte ou perfuração. É interessante ver que essa restrição perdurou por muitos anos entre os jogadores. 

Fortalezas & Domínios

O Rules Cyclopedia, obviamente influenciado pelos contos Conan, rei da Aquilônia, parte do seguinte pressuposto: heróis quando chegam em determinado nível, não mais adentram em masmorras nem trabalham como mercenários. Eles já são extremamente poderosos e renomados. O desafio agora, é administrar um exército, um castelo, um baronato ou um templo de sua religião. Assim, há um capítulo inteiro de como gerenciar gastos da corte real, de armas de cerco, regras para combate em massa, para alimentar tropas, etc. O jogo muda inteiramente de proposta! Essa é uma ferramenta ótima para renovar o fôlego de um grupo veterano, por exemplo.

São esses 5 fatores (entre outros) que tornam o Rules Cyclopedia um livro único e tão falado entre as comunidades de jogo. Voltarei a falar dele em breve. 

Abraço e bons jogos para todos!