segunda-feira, 30 de março de 2020

Resenha: Earthdawn



 
O que acontece se você bater D&D 4ª edição, Numenera e Fallout em um liquidificador? Ora, você tem Earthdawn!
Produzido pela FASA em 1993 (sim, a mesma editora de Shadowrun), Earthdawn era desde o início, inventivo tanto em sistema, quanto em cenário. É no mínimo curioso, notar que algumas mecânicas e propostas que chamaram a atenção (para o bem ou para o mal) já estavam presentes em Earthdawn. Vamos falar sobre algumas delas mais adiante. Mas primeiro, vamos falar da premissa geral do jogo.

O cenário é Barsaive e por uma era inteira, a humanidade se refugiou/aglomerou em kaers (algo como os Vaults da série Fallout), pois a superfície do mundo fora devastada e tomada por entidades astrais chamadas Horrors. Agora, aos poucos, os povos começam a voltar para a superfície e se deparam com um mundo totalmente alterado. A geografia foi afetada, assim como os seres que nela habitam ou habitavam. Registros se perderam e a história do mundo, esquecida. Os personagens são justamente esses aventureiros que partem para enfrentar o desconhecido, explorar esse alterado e perigoso novo mundo.

A premissa acima lembra bastante Numenera, lançado em 2013, ou seja, 20 anos de diferença. As semelhanças não param por aí. Earthdawn também possui seus Magical Treasures que funcionam como os Cyphers, do aclamado RPG de Monte Cook. Se um jogador encontra um desses Tesouros Mágicos, ele deve buscar descobrir mais sobre ele para “destravar” aos poucos, as habilidades do artefato. A saber, não existem “itens mágicos” genéricos em Barsaive. Em outras palavras é como se até um item inicial do personagem pudesse “avançar de nível” junto com ele. Pense na seguinte cena:

Mestre(se virando pra um dos jogadores): “Sabe a espada que carrega, que pertenceu ao seu pai? Então, ela começa a emitir um leve zumbido agora..”.

Além disso, o jogo vinha com cartas de vários artefatos anexados ao livro, para o Mestre destacar e entregar ao jogador. No verso da carta, ele ia anotando as habilidades descobertas do item. O sistema de avanço de nível também é bastante similar e caía no mesma proposta: não ser um “zero to hero”, mas tentar medir de maneira “abrangente e semi-abstrata”, o avanço do personagem. Em Numenera temos Grau. No Earthdawn, Círculo. Avançando, o personagem obtém acesso a novas habilidades que o ajudavam a sobreviver e/ou transpor perigos. Mas não se confunda: o que é mortal no 1º Cìrculo, ainda é uma ameaça no 5º Círculo, por exemplo.

E quanto às semelhanças com D&D 4ª edição? Bom, mecanicamente, dois aspectos lembram bastante a 4ª edição de Dungeons & Dragons. Earthdawn trabalha com o conceito de pulso de cura (chamados aqui de Testes de Recuperação), diretamente ligado ao Atributo Resistência de cada personagem. Além disso, cada Disciplina (como as classes são chamadas) possui Talentos, que são como os Poderes de Classe. Talentos esses, únicos para cada classe (apesar de algumas poucas sobreposições). Apesar de todas serem “at will”, essas “habilidades especiais” podem exigir custo de Karma ou Strain. Logo, é provável que você organize esses Talents em cartas para melhor visualizar suas opções em jogo. Dificilmente, alguém falará simplesmente “ah, eu ataco!” em Earthdawn. Assim como era no D&D 4ª edição. A mentalidade de “pontos de luz” também se faz presente. Mas as semelhanças terminam aqui.

Um cenário rico

Funfact: Barsaive foi desenhada em cima do mapa da Ucrânia

Earthdawn se esforça bastante para “justificar” ruínas perdidas, monstros e tesouros perdidos. Ele é um jogo de fantasia pós-apocalíptico e não mede esforços para evitar masmorras genéricas, monstros genéricos ou missões genéricas. O pano de fundo é o Império Theran, uma magocracia que previu a chegada dos Horrors (a partir do nível de mana do planeta que estava subindo drásticamente). Logo, começaram a "trocar" ajuda no Cataclismo vindouro pela submissão das raças e outras chantagens. Ou seja: uns bons filhos da mãe, certo? Logo, muitos pereceram ou se esconderam durante esse período. Outros, realmente foram escravizados pelo Império Theran.

É contado, que de maneira natural também, o nível de mana "normalizou" e muitos dos Horrors voltaram para sua dimensão. Mas perceba que alguns permaneceram por aí, tornando-os uma ameaça secundária, mas não menos terrível que o Império maligno e escravagista. No inicio da campanha oficial, o Império Theran foi repelido uma vez, mas junta forças novamente para uma nova tentativa de escravizar os povos. Além disso, vários kaers, ainda estão perdidos, lacrados ou destruídos. Cabe aos personagens-jogadores, encontrá-los. Em Barsaive não existem Igrejas estabelecidas e os deuses são entidades estranhas que representam determinados aspectos. Algo bem mais próximo a avatares. Há também barcos voadores, oriundos do período com mana alta do mundo. Mas não se engane: são bem raros e não servem simplesmente para dar um fast travel pelo mapa: há muitos perigos nos céus de Barsaive: Horrors que podem voar, piratas, agentes do Império, entre outros.

Conclusão


Por ser o livro-irmão de Shadowrun (que também trabalha com o conceito de magia cíclica entre as eras), muitos acabam achando que os jogos utilizam o mesmo sistema de regras. Não mesmo. Earthdawn usa um sistema até elegante (principalmente pelo seu tempo) ao qual cada valor, pode ser traduzido como um STEP (um grau de dado). Logo, um valor 10 num atributo ou num Talent, estará no STEP 5. Sendo assim, você sempre jogará 1d8. Se você conhece o sistema de DICE CHAIN de jogos como Dungeon Crawl Classics e Espadas Afiadas & Feitiços Sinistros, não terá problemas para entender.


Entretanto, Earthdawn é indicado para fãs de Shadowrun, pois é praticamente um prequel do jogo de fantasia cyberpunk. Indicado também para quem curte game designer, pois o RPG criado por Greg Gorden foi pioneiro em vários aspectos e propostas. E claro, para os nostálgicos de plantão, que gostariam de explorar um dos RPGs mais subestimados dos anos 90. Falarei mais sobre Earthdawn em breve...

Bons jogos e abraço para todos.