sábado, 29 de julho de 2017

Sobre os Gatekeepers



Você joga D&D 4a ediçao e Pathfinder? Não passarás!

     Gatekeeper é a denominação pejorativa para aqueles jogadores, que prestam um desserviço para o movimento OSR. Agindo quase como uma sociedade secreta protetora da visão do D&D em sua “forma mais pura”, muitas vezes tornam-se escravos eternos da nostalgia, acreditando que o hobby se perdeu em algum ponto e que nada haverá de surgir para bater os RPGs dos “tempos áureos”.( Acho até que são eles que dizem que o RPG morreu). 

Não entendem, que por mais forte seja o apelo da OSR, deve ser encarado como um modo de jogar, não o único.

     O cerne da questão (e onde geralmente a discussão se perde ao conversar com um Gatekeeper) é quando querem classificar se uma regra é old school ou new school. A bem da verdade, acredito que podemos aprender muita coisa em ambos os mundos. Por mera questão de referência, vou apontar 3 tópicos da minha interpretação desses dois aspectos:

New School:

1 – Mecânicas bastante consolidadas: se eu escrevesse “engessadas” ficaria pejorativo, o que não é minha intenção. O meu ponto é que as mecânicas se comunicam tão fortemente, que se mexer em uma, terá que ajustar todas as outras adjacentes a ela. Em alguns jogos, é impraticável. Para exemplificar: vamos dizer que eu queira jogar D&D 3.5, mas proíbo os Talentos. Para anular os Talentos, preciso mexer nas tabelas de avanço das classes, ajustar as classes de prestígio, preparar uma mecânica para criação de itens mágicos (ao qual está vinculada aos Talentos), entre outros detalhes. Para falar positivamente, as mecânicas consolidadas garantem um jogo mais amarrado, talvez mais focado em sua essência e/ou cenário.

2 – Ações sociais frequentemente representadas mecanicamente. O livro apresenta regras bem definidas de como resolver um teste de intimidação, de lábia e até de negociação. Mas observe o print ao lado, ilustra um talento retirado do Star Wars Age of Rebellion (que eu gosto demais, diga-se de passagem e que é definido como um jogo new school). O talento exemplificado permite que ao invés de realizar um teste padrão de Conhecimento, o jogador gaste 50 créditos vezes a dificuldade do teste. Se fosse só até aí, e eu lesse sem contexto, diria que é a carta de algum boardgame. Mas felizmente, a explicação do talento continua, dizendo o seguinte: “À julgamento do Mestre, o personagem não pode utilizar essa habilidade caso a informação desejada seja particularmente difícil de encontrar, ou que esteja em uma situação onde a informação não pode ser comprada ou isolado em um planeta sem acesso à HoloNet”. E isso é incrível, pois garante autonomia para o Mestre, deixa a habilidade do personagem escrava da história contada, não o contrário. Características essas, tão aclamadas pelos defensores do Old School. Nesse caso, há de fato um equilíbrio entre os dois mundos e um dilema nas mãos dos Gatekeepers.  

3 – As responsabilidades entre Mestre e jogadores são mais distribuídas ou a distinção não é necessariamente existente. Geralmente essa característica está vinculada a uma mecânica ou premissa de narrativa compartilhada. O jogo pode ter esse aspecto em alguns pontos (Dungeon World, por exemplo) ou em sua totalidade (FIASCO, por exemplo).

Old School:

1 – Mecânicas abertas: novamente se usasse a expressão “mecânica vaga”, soaria pejorativo, o que também não é a intenção. Mas sim, lembro que nos anos 90, jogava-se Ad&d 2ª edição de uma forma na minha mesa e quando fui jogar com um outro grupo da cidade, eles tinham regras caseiras (ou outras interpretações das regras do livro) diferentes das minhas. E o jogo funcionava também. O principal aqui é que o jogo old school permite hack e retro-compatibilidade mais facilmente.

2 – Ações sociais não são representadas mecanicamente. O atributo carisma sempre esteve lá. OK. Mas ele era usado como último recurso. Imagine o seguinte cenário: uma cidade sob cerco. Os PCs precisam entrar, mas tropas estão posicionadas para impedir entrada e saída de pessoas pelos portões. Um dos jogadores diz que vai tentar convencer o capitão a ter livre acesso.Afobado, já pega o D20 e quer fazer o teste de Carisma. Mas o Mestre corta, indagando: “Mas o que vai falar para convencê-lo?”, “Quais argumentos utilizará?” se a cena for bem executada, talvez nem teste precise. Outra opção é dar bônus ou penalidades no teste de Carisma, dependendo dos argumentos utilizados. Óbvio que é possível usar esse mesmo tratamento em um jogo classificado como New School, mas essa mentalidade está ligada a OSR. Não fui eu quem fiz isso.

3 – O Mestre tem a palavra final. Sempre cito que o Rules Cyclopedia e o Ad&d 1st edition possuem trechos assim: “diga para o Mestre qual o valor do seu atributo e ele fará esse teste para você” ou então “pergunte ao Mestre se você tem permissão para isso”. Do outro lado, me vem à mente o movimento DISPARAR do “Dungeon World”, que com um resultado entre 7 e 9, você acerta o alvo, PORÉM, deve escolher alguma complicação das seguintes: colocar-se em perigo devido a linha de visão, disparar de qualquer jeito (causando 1d6 a menos de dano), ou gastar munição. É um ótimo exercício de um mecânica classificada e aceita como new school.
No final, não é uma questão de qual estilo é melhor, qual oferece as melhores mecânicas ou de quem está certo. É sobre desbravar as duas experiências e sobre não ser aquele torpe Gatekeeper isolacionista. Até porque nosso hobby tem três objetivos bem claros: se divertir, contar uma história e principalmente, unir as pessoas.

E quanto a vocês? Como enxergam essa questão? Conhecem algum Gatekeeper?

Meus posts de nostalgia soam como se eu fosse um Gatekeeper, mas juro que tento conhecer coisas novas! Hahaha. Abraço a todos e bons jogos!

domingo, 16 de julho de 2017

Resenha: Men in Black RPG





Em 1997 era lançado nas telonas, o blockbuster Homens de Preto e para aproveitar o hype, a West End Games (já famosa pelo seu RPG oficial de Star Wars), publica o MIB RPG. O jogo utilizava a base consolidada do seu já renomado D6 System, que já havia recebido um bem-vindo tratamento genérico. O Masterbook, já permitia usar o conjunto de regras para qualquer ambientação.

Classificar MIB RPG como um RPG de comédia é muito simples. Mas sempre friso que o jogo é mais que isso. Como nos filmes, há espaço para a comédia “pastelão”, para o drama, para o gore, para o pulp, para a investigação soturna de um mistério (a lá Call of Cthulhu), ficção científica e principalmente para o elemento que mais valorizo: os absurdos do cotidiano humano. Uma boa aventura de MIB deve ter os elementos citados em doses equilibradas. Mas fique tranquilo, o livro possui ferramentas e espaço para refletir sobre.

Como dito, o jogo usa o sistema D6, com algumas pequenas regras orbitando ao redor. Como regra opcional, temos as CUE CARDS, cartões que representam as famosas “deixas” e frases de efeito do cinema. Ao planejar a campanha, o Mestre cria um deck com algumas dessas cartas (o livro vem com uma folha de cartas em branco para xerocar). No início da sessão, cada jogador saca 3 delas e tenta ativar durante o jogo. Em troca, será recompensado como descrito na carta. Por exemplo, a seguinte carta: FALA “-Toque em mim com isso novamente e terei que me casar com você”, a recompensa é de 2 pontos de personagem. O Mestre e seus jogadores podem e devem customizar suas próprias CUE CARDS. Ótima ferramenta.   

O livro tem uma tabela de criação de Aliens muito boa também. É possível gerar poderes dos mais diversos, nomes escalafobéticos e outras bizarrices para seus agentes investigarem. Ponto alto para o Teste de Recrutamento, preenchido na criação de personagem, mas sem efeito mecânico, apenas um questionário livre repleto de piadas que “quebram o gelo” e ajudam muito a estabelecer o tom logo de cara. Uma das questões que lembro de cabeça era:

1-    Formule sua visão sobre o Big Bang.
2-    Agora, refute-a.

Genial!

O livro que contém a escória do universo!
MIB RPG provavelmente está no meu Top 3 de RPGs mais undergrounds. Por fim, apesar de um ser jogo incrível, acho que não foi um tremendo sucesso pelo mesmo fator que muitos jogos semelhantes enfrentam por aí: o forte apelo cômico. Ao meu ver, muitos Mestres e jogadores se sentem intimidados com RPGs de humor. Inseguros, acham que suas piadas não irão funcionar para todos ou mesmo que não irão funcional at all. Essa discussão por si só, já valeria um post, mas meu conselho é que basta relaxar. O humor (pelo menos o tipo ao qual mais aprecio e é bastante visado em MIB RPG), surge natural e gradualmente, movido e estabelecido pelo absurdo das situações, das conspirações e das lendas urbanas. Por fim, como todo bom RPG, será gerado organicamente pela história criada cooperativamente e das reações dos jogadores às cenas propostas. Não se intimide com isso e dê uma chance.

Abraço a todos e bons jogos.

sábado, 1 de julho de 2017

Nostalgia: Ad&d 1st edition




Entre 1977 e 1979 a extinta TSR lançou o Advanced Dungeons & Dragons, uma tentativa de compilar todas as regras de D&D espalhadas em fanzines, revistas, regras usadas internamente, tudo para que os campeonatos organizados pela empresa, ficassem mais uniformes. Se tal objetivo foi cumprido ou não, não posso dizer, mas é fato que a trilogia foi um sucesso, deixando o jogo mais coeso para os veteranos e apresentando um material bem completo para quem iniciava no hobby. Só para deixar claro, o Ad&d que veio para o Brasil, pela editora Abril é o Ad&d 2ª edição revisado.

Prova de seu sucesso foi a alteração das capas (o texto continuou o mesmo), com o claro intuito de deixar o material mais “amigável” e menos associado às falácias de ligação ao satanismo. Mudaram para capas mais fantásticas e heroicas, deixando de lado o famoso ídolo e o Efreet encapetado. Na minha opinião, essas capas alternativas (as que possuo e ilustram esse post) são bem mais bonitas e mais impactantes com os trabalhos primorosos de Jeff Easley.

Se todos são mal encarados, quem é o herói afinal? Bons tempos...
Existem dois pontos a serem destacados quando falamos do Ad&d 1st edition: primeiro as mudanças de regras. O segundo ponto é a escrita tão autoral de Gary Gygax. Sua biografia diz que Gygax devorava dicionários para poder utilizar um vasto leque de sinônimos e palavras em desuso, para justamente usar em suas campanhas e deixar o texto com um bem-vindo teor "datado". 

 E quantos às diferenças entre o D&D e esse tal Advanced?



- Divisão clara, entre os livros, para material para o jogador e material para o Dungeon Master. Por exemplo, jogadores não precisavam ler sobre “lidando com personagens perdidos”, “ferramentas para uma aventura mais coesa”, “como elaborar uma masmorra desafiadora”, etc. Aos olhos dos jogadores ficavam as relações de magia, regra para criação de personagens e equipamento. Tal recurso fez sucesso e fora oficialmente adotado para as edições futuras, como sabemos.

- Cisão da Classe de Personagem: agora temos a distinção entre dois conceitos: classe e raça. Possibilitando muitas combinações. EDIT: Na verdade, o Diogo Nogueira me explicou que o OD&D primeiramente assumia isso, mas para simplificar, o Basic havia fundido classe e raça. Entretanto, as combinações permitidas no OD&D era limitadíssimas.  

- Inclusão de Classes como o Assassino, o Monge e de raças como o Meio-Orc. Três exemplos de material que havia sido publicado nas páginas da Strategic Review e que agora estavam oficializados nos livros básicos.

- Charges humorísticas: por ser direcionado aos veteranos da época, estão espalhados pelos livros, inúmeras tiras que fazem referências à situações conhecidas por muitos jogadores experientes.  Se um novato lesse, provavelmente não entenderia a piada. Para saber mais, escrevi um post especificamente sobre isso NESSE LINK.

- Revisão das Tabelas de Atributos: As tabelas já existiam, mas elas foram repensadas e reescritas.

A pergunta que não quer calar: vale a pena jogar Ad&d 1st edition? Olha, se você for um colecionador, um saudosista e de quebra, um grognard, vale sim. Nesses tempos de Old School, os livros são muito bonitos e até foram reimpressos tempos atrás em edição limitada. Ao folhear um livro de arte e grafia tão distintas, é impossível não ficar inspirado! Além disso, quem jogou o Ad&d 2a edição não terá dificuldades para perceber quando o sinal de soma significar subtração e o sinal de subtração, significar adição....hahaha.

Alguns monstros parecem ter saído de Space Ghost ou de Os Herculóides!

Por fim, o fato que talvez cause mais confusão na cabeça da galera é que o AD&D 1st edition, por muito tempo, foi concorrente do próprio D&D. Os lançamentos eram simultâneos e editorialmente falando isso é um erro básico de gestão. Chamado no business de “canibalismo de marcas”. É inegável que a sucessão desses mesmos erros, foi um dos fatores para a falência da TSR. Lição aprendida pela Wizards quando investiu na consolidação da marca em 2000. Mas isso é assunto para outro dia. 

Abraço a todos e bons jogos!