sexta-feira, 28 de abril de 2017

Papo de Monstro - Illithid

Olá, pessoas! Estamos começando mais uma edição da coluna Papo de Monstro. Nessa semana, seguiremos no D&D para falar de uma das maiores e mais importantes aberrações já criadas para o jogo.

"A criatura se levantou e, lentamente, virou seu corpo em minha direção. Foi nesse momento que consegui ver seu 'rosto'. Aquela face não fazia sentido para mim, assim como não faria para qualquer homem considerado são. Quatro tentáculos se enrolavam ao redor do que parecia ser um cérebro humano enquanto o puxavam em direção a uma boca redonda e cheia de dentes. E então, seus olhos brancos se fixaram em mim e eu comecei a sentir meu cérebro esvaziar."


O "primeiro" Devorador de Mentes
Os Illithid (ou Devoradores de Mentes) são uma raça de monstros que se alimentam de cérebros humanos. Suas origens no universo de D&D já foram recontadas várias vezes: Eles já foram criaturas que habitavam a Terra em tempos antigos; monstros de outras dimensões que escravizavam seres humanos; e até mesmo seres criados acidentalmente por uma praga mágica.

Entretanto, sua criação no "mundo real" é bem definida. Ela se deu em 1975, na primeira edição de "The Strategic Review", uma revista que lançou as bases do que viria a ser a revista "Dragon".
O responsável pela criação dessa espécie foi Gary Gygax, que comentou um pouco sobre sua inspiração em uma entrevista no fórum ENWorld:

"Criei o Devorador de Mentes totalmente da minha imaginação, mas fui inspirado pela capa de 'Burrowers Beneath', de Brian Lumley." (Traduzido de: https://web.archive.org/web/20080512130715/http://enworld.cyberstreet.com/showpost.php?s=2747b9e3683e019185853480151270ce&p=1991676&postcount=126)

A origem da inspiração
Com isso, é fácil é notar o motivo da aparência "Lovecraftiana" do Devorador de Mentes. "Burrowers Beneath" é fortemente influenciado pela obra de H. P. Lovecraft.

Atualmente, os Illithid são considerados parte integral da identidade do D&D e não são considerados conteúdos OGL, assim como o Beholder e a Pantera Deslocadora.
Apesar disso, a influência do monstro na cultura pop é visível e geralmente vem acompanhada por influências das obras do próprio H.P Lovecraft. Um ótimo exemplo é o jogo de PS4 "Bloodborne", onde nós temos Devoradores de Mentes como inimigos, além de outras criaturas e temas inspirados pela obra de Lovecraft.

Brainsucker, os Illithid de Bloodborne
Ainda nos videogames, os Illithid também estão presentes nos jogos oficiais de D&D, com destaque para a cidade dessas criaturas mostrada em "Shadows of the Underdark", expansão de "Neverwinter Nights".

E ficaremos por aqui, pessoal. Espero que tenham gostado do texto dessa semana.
Deixem suas sugestões, dicas, críticas e reclamações para as próximas colunas nos comentários.
Valeu, amigos. Até a próxima.

quinta-feira, 20 de abril de 2017

Papo de Monstro - Bulette

Olá, amigos! Todos prontos para mais uma edição do Papo de Monstro?

Nessa coluna, vamos voltar ao D&D para falar de um dos meus monstros favoritos. Além disso, essa criatura não só influenciou a cultura pop, como também foi criado graças à ela.

"Foi tão rápido! O chão começou a tremer e a terra a se revirar durante a noite. Os cavalos foram os primeiros a desaparecer, sugados para dentro do buraco que surgiu no meio do acampamento. Foi então que a criatura surgiu. Grande como um touro e com uma carapaça enorme lhe cobrindo."
O "primeiro" Bulette - Dragon Magazine 1
A primeira aparição oficial do Bulette foi na primeira edição da revista Dragon, em junho de 1976. Tim Kask, um dos editores e play testers originais do D&D, estava preparando a revista para impressão quando um dos negativos foi destruído. Então, para preencher o espaço que faltava, ele foi falar com Gary Gygax:

"Fui falar com Gary levando um saco de monstrinhos de brinquedo. Vários monstros originais e icônicos do jogo nasceram dessas miniaturas de Hong Kong. Gary olhou os que ainda não havíamos usado, apontou para um e falou: 'Esse apareceu só duas vezes nos testes. Nós o chamamos de Bullet. Ele corre e derruba pessoas'" (Traduzido de https://www.youtube.com/watch?v=kPepszyjh3g)

Miniatura do Bulette
Apesar de sua aparência ter sido definida pelo brinquedo que Gygax comprou, a inspiração para as habilidades que definem o Bulette surgiram a partir de um esquete do Saturday Night Live, como o próprio Tim Kask explica:

"O mundo estava passando pela loucura pós Tubarão, e o Saturday Night Live fez uma paródia do filme. Em algum momento, alguém falava de um 'Land Shark'. Foi aí que tive o estalo, esse seria seu nome comum; a barbatana ficaria visível quando ele se movia sob a terra. Foram as fontes mais aleatórias possíveis: uma esquete do Saturday Night Live e um brinquedinho de plástico." (Traduzido de https://www.youtube.com/watch?v=kPepszyjh3g)

Com essa origem, não é surpresa que o Bulette tenha dado a volta e chegado à cultura pop. Nos games, o monstro se faz presente desde os jogos antigos de D&D, como Eye of the Beholder, até RPGs mais recentes, como Final Fantasy XV. 
Além dos games, o Bulette também apareceu recentemente no conto "A Nova Armadura de Katabrok", do livro Crônicas da Tormenta - Volume 2.
Pra completar, o Bulette também aparece em outros jogos de RPG. Do Pathfinder ao Old Dragon, jogos de fantasia medieval fazem questão de contar com o tubarão da terra.

Isso fecha a coluna de hoje, pessoal. Deixem aí nos comentários o que vocês acham do Bulette e aproveitem para fazer sugestões de monstros para a coluna.

Até a semana que vem!

PS: Se alguém quiser ver a esquete original do SNL: https://www.youtube.com/watch?v=gxMLgjhOV5E

terça-feira, 18 de abril de 2017

"Show, not tell" no RPG

 
Lady Artibeth, paladina de Tyr.

  De um tempo para cá, a discussão entre a técnica "show, not tell" ganhou força nos fóruns de literatura. Não é de hoje, entretanto, que esse papo rende frutos. Ora, décadas atrás, Michael Moorcock (renomado autor da saga de Elric de Melniboné), fora chamado de “anti-Tolkien” pela crítica especializada. Tal alcunha se deu principalmente pelo fato do autor utilizar com maestria a técnica do show, not tell (em português: mostre, não conte).
    Não me entenda mal: isso não menospreza de nenhum modo, o trabalho do professor Tolkien, mas pontua claramente, a existência de uma outra técnica para transmitir informação (ou uma sensação) para o leitor. Adoro "O Senhor dos Anéis", mas já escutei amigos dizendo que não conseguiram passar das primeiras partes da Sociedade do Anel, pois perdia-se muito tempo descrevendo em pormenores, os costumes dos hobbits, sua alimentação, a mentalidade do Condado, entre outros. Em suma, contando muita coisa, mostrando pouca.
      Antes de prosseguir, porém, preciso delinear os termos propostos: CONTAR, opera com o abstrato. Costuma ser passivo, mantendo uma distância "segura" entre o leitor e a narrativa. O MOSTRAR, entretanto, opera com o ativo, com o concreto, marcado com uma escrita vívida e evocativa das coisas ao redor. Logo, se no primeiro caso, eu afirmo que fulano está irritado e sai pela porta, no segundo, ele bufa, aperta o passo e sai pela porta.
      Mas qual é a relação dessa técnica na literatura e na mesa de jogo? A saber, ela está ligada ao world-building da obra e geralmente rege o pacing da história. No RPG, O Mestre (assim como um autor/diretor), deve transmitir informação e sensação para seus jogadores quando eles adentram uma masmorra, quando eles cruzam os portões de uma nova cidade, um templo, etc. Às vezes, tentando ser o mais cuidadoso possível e passar de maneira precisa, as informações desejadas, o Mestre pode ser didático em demasia ou sobrecarregar os jogadores com informações irrelevantes para a situação presente. Vamos para um exemplo narrativo prático disso? 

Pense na seguinte situação: os personagens chegam à Neverwinter. A famosa cidade está tomada por uma epidemia mágica até então, desconhecida.

Vamos estabelecer a cena nos dois moldes. Primeiro, focada em contar:

“Os portões de abrem, revelando um cenário terrível. Vocês atravessam a rua pulando os doentes que gemem enfraquecidos e tomados por pústulas esverdeadas. Os clérigos abandonaram o templo, deixando todos os enfermos nas mãos de uma elfa paladina chamada Lady Aribeth, que aguarda vocês no templo. A oficina de ferreiro está desativada também. Ele fugiu levando as mercadorias e sua família. Antes que seja tarde demais.”

Agora, as mesmas informações sendo transmitidas pelo mostrar:

O rangido pesado das portas mostram que há tempos, elas não se abrem. O cheiro que emana dos casebres e das vielas, mostram que a peste alcançou uma escala maior que imaginavam. Um dos doentes rasteja na direção de vocês. Ele tenta dizer alguma coisa, mas emite apenas um sussurro. No caminho avistam uma forja abandonada. As ferramentas no chão, são a prova que de que deixaram a oficina às pressas. Quando chegam ao templo, percebem que está vazio e escuro. Até os símbolos sagrados estão faltando. No hall principal, uma mulher ruiva de orelhas pontudas, totalmente equipada, se aproxima:


“Sejam bem-vindos, mesmo nessa hora escura. Me chamo Lady Aribeth, guerreira devota de Tyr e me disseram que poderiam nos ajudar. Sou eternamente grata.”

    Como mencionado, depende de gosto pessoal. Não existe o certo e o errado nessa questão. Não está ligado a usar menos ou mais palavras. E também não se trata de fórmula ou métrica. A diferença principal entre as duas escritas, é que na segunda, foram usados elementos de cena para contar a história e passar sensações. Eu, como escritor, não precisei assumir uma postura onisciente para estabelecer a cena ou a atmosfera. Ela fora concebida pela própria percepção dos personagens presentes. As informações foram recebidas de maneira cadenciada. Alguns autores, de literatura especulativa, por vezes, temem deixar seus leitores perdidos com o mundo que “desabrocha“ diante dos olhos deles, temem que os leitores percam em algum ponto da narrativa, suas referências pré-estabelecidas. Hoje, nomes como Patrick Rothfuss, Brandon Sanderson e Steven Erikson estão comovendo legiões de fãs unindo essa técnica com incrível world-building e personagens carismáticos. Pense nos sentidos dos personagens. Para externar sentimentos, eles precisam agir. E nunca se esqueça: tudo ao redor, conta uma história. 


Abraço a todos e bons jogos.

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Papo de Monstro - It, a Coisa

Olá, pessoal! Mais uma edição da coluna Papo de Monstro chegando.

E hoje, quebrando a sequência de monstros criados para o RPG, vamos para a literatura e o cinema com um monstro que deixou sua marca nessas duas mídias.

"O rosto do palhaço no bueiro era branco, havia tufos engraçados de cabelo vermelho de cada lado da cabeça careca e havia um grande sorriso de palhaço pintado sobre a boca.
O palhaço segurava vários balões de todas as cores, como lindas frutas maduras, em uma das mãos. Na outra, segurava o barco de papel de George.
— Quer seu barco, Georgie? — O palhaço sorriu."

Criado por Stephen King para o livro "It" (A Coisa) de 1986, a Coisa é uma entidade milenar que se alimenta de crianças e habita a cidade de Derry, no Maine. Uma de suas principais habilidades é ser capaz de mudar sua forma física como quiser, podendo se transformar em pessoas, monstros ou qualquer outra coisa. Isso deu origem à sua forma mais conhecida: o palhaço Pennywise.

Pennywise, o palhaço dançarino
Apesar de Pennywise ser um dos mais assustadores palhaços da ficção, ele está longe de ser o primeiro. O arquétipo do "palhaço maligno" tem suas primeiras aparições em obras do século XIX, algumas das principais delas sendo "La femme de Tabarin" de 1874, composta por Catulle Mendès; e "Pagliacci" de 1892, de autoria de Ruggero Leoncavallo.

Mas a escolha de um palhaço por King não foi apenas para seguir essa tradição, como explicou J.S. Mackley, professor da universidade de Northampton, em seu trabalho "The Fears of the Clown":

"Falando sobre o palhaço assassino, o próprio King afirmou que ele criou Pennywise porque achava que as crianças tinham mais medo de palhaços do que de qualquer outra coisa no mundo." (Traduzido de: http://nectar.northampton.ac.uk/9062/1/Mackley20169062.pdf)

Em entrevista ao jornal "Bangor Daily News", King confirmou essa afirmação e também tentou explicar o porquê desse medo de palhaços existir:

"Eu escolhi o palhaço Pennywise para ser o rosto que o monstro revela para as crianças porque elas adoram palhaços e, ao mesmo tempo, morrem de medo deles (...) Um palhaço não é engraçado fora do contexto do circo. Se eu visse um palhaço embaixo de uma ponte (ou em um bueiro) eu ficaria morrendo de medo."
(Traduzido de: http://bangordailynews.com/2016/09/08/news/state/please-dont-send-in-the-clowns-stephen-king-reacts-to-carolina-scare/)

Pennywise não só "se alimentou" desse medo como também definiu o padrão de palhaço assustador que temos hoje na cultura pop, influenciando até mesmo um monstro de D&D 3.5: o Gray Jester.

Gray Jester. Palhaço do mal em D&D
A influência de It (e da obra de King como um todo, na verdade) no mundo dos RPGs não se limita a esse monstro. Ela também se faz muito presente em jogos como Little Fears, que coloca os jogadores na pele de crianças enfrentando monstros que são "invisíveis" para os adultos e que representam medos e problemas típicos da infância. Outro sistema parecido é Troublemakers, um hack de Apocalypse World para aventuras de crianças no estilo "Conta Comigo", outro livro de King.

Bom pessoal, vamos ficar por aqui em nossa primeira viagem por outras mídias. Nas próximas colunas, voltaremos ao RPG para falar de um dos meus monstros favoritos e para atender à pedidos. Aproveitem e peçam seus monstros nos comentários.

Até a próxima, galera.


sexta-feira, 7 de abril de 2017

Nostalgia: GURPS Conan

"GURPS Conan, what is best in life?"
     Para o post nostálgico de hoje, selecionei um livro ao qual tenho muito apreço: a adaptação oficial para GURPS, da Era Hiboriana de Conan, lançada aqui no Brasil pela Devir, em maio de 1997! Esse livro tem muita importância para mim por vários motivos: primeiramente, representa o livro que me deu vontade de aprender a jogar GURPS. Eu já tinha o livro básico, sabia que se tratava de um RPG genérico, mas eu não tinha um ponto de partida, uma temática consolidada na cabeça para dar o pontapé inicial. Esse suplemento fez isso. Meu deu um norte. Depois, foi o livro que me acompanhou quando meu avô faleceu e fiz uma viagem de 48 horas com minha mãe e minha irmã até Mato Grosso. Na minha mochila, eu tinha esse suplemento e duas revistas do Conan (a fase Espada Selvagem) recém compradas na banca da rodoviária. Eu havia acabado de deixar Marvel e DC um pouco de lado, para encarar histórias mais maduras. Foram dois dias cinzentos, reconfortados por aquelas páginas, explorando aquele mundo fantástico recém descoberto por mim.

     Em suas 128 páginas, o livro apresenta a história do mundo imaginado por Robert E. Howard, sua geografia, seus povos, religião, ameaças, principais aliados e inimigos do cimério, as principais fases da vida retratada nos contos e romances de Conan, indo de seu início como ladrão em Zamora, sua identidade como pirata, legionário, kozak, até Rei da Aquilônia.

     Lembro até hoje que quando mestrei minha primeira campanha de GURPS Conan, meus amigos indagaram se alguém jogaria com o Conan. “Não. Vocês provavelmente nunca irão encontrá-lo. O que importa aqui é o cenário de campanha. O mundo.” Eu tive que emprestar minha coleção de Espada Selvagem pra eles terem uma noção mais apurada da proposta. Foram tardes, explorando selvas tomadas por canibais, assaltando torres arcanas e enfrentando exércitos pictos nas fronteiras civilizadas. E claro, com personagens construídos com 100 pontos. 


     Na verdade, uma das “cerejas do bolo” desse livro, é que ele apresentava as regras de combate em massa. Como treinei essas regras! Lembro que montava em uma espécie de playtest solitário, duas tropas para se confrontarem. Tudo para explorar ao máximo, as possibilidades apresentadas nas tabelas. Soldados com o moral baixo, alto, abalados, em debandada. Essas regras são fantásticas até hoje! Adaptá-las para outros sistemas e publicar aqui no blog é uma ideia que tenho em mente. 


     Outra parte muito rica do livro é a geonímia dos reinos: a descrição deles é tão incrível que é possível utilizar o texto para jogar em outros sistemas: seja Dungeon World, DCC, Old Dragon, etc. Cada reino tem suas entradas sobre história, economia, religião, nomes comuns, nível de mana, ideias de aventuras, entre outros. No mais, GURPS Conan hoje em dia é um livro considerado raro, pela baixa tiragem da Devir, na época. Se encontrar à venda, não deixe passar.

Abraço a todos e bons jogos!