segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Resenha: Frostbitten & Mutilated



O post de hoje é sobre o livro mais recente de Zak Smith, autor dos incríveis suplementos/cenários de A Red & Pleasant Land e Vornheim (ambos já resenhados aqui no blog). Frostbitten é um material OSR sob o selo do RPG Lamentations of the Flame Princess e em suas quase 150 páginas, é composto de três partes distintas: ferramentas para trabalhar um cenário tomado de gigantes do gelo, mulheres guerreiras feministas, diabruras apocalípticas, bruxas e outros elementos dignos de uma banda de black metal, também traz um cenário completo para seu RPG favorito, chamado The Devoured Land (que fica ao norte de Vornheim ou em qualquer lugar extremo na sua campanha caseira) e por último, um calendário de eventos que darão vida e consequências para a sua campanha no cenário, mesmo que os personagens fiquem parados.


Seguindo a mesma linha do selo, o livro é lindo: capa de material semelhante a couro, impressão de qualidade, papel grosso de ótimo manuseio e encadernação extremamente resistente, “dando um banho” na costura da Wizards of the Coast, por exemplo, com aquela encadernação sofrível. As folhas de rosto e contra-capa trazem ferramentas de consulta rápida para o Mestre, bem no estilo “jogue o dado e grite”. As ilustrações de Zak são perturbadas e semi-abstratas de propósito, deixando margem para sua imaginação completar as gravuras das criaturas deformadas e dos trolls demoníacos encontrados da região. Gosto bastante desse tipo de proposta.

The Devoured Land: depois do autor citar algumas obras que o inspiraram, somos apresentados ao cenário de campanha e algumas motivações para jogar os seus personagens jogadores lá. Seja ouro (as lendas falam de tesouros guardados por reis trolls e caravanas que nunca voltaram), Anarquia (seu grupo fez alguma merda na civilização? Eles podem fugir para essa terra sem lei, que apenas os loucos adentram), Conhecimento (as Terras Devoradas podem muito bem ser o local mais antigo de seu mundo. Quem sabe os segredos que elas guardam?) e por último Aborto (sim, as tribos de amazonas guardam segredos e técnicas que prometem até mesmo abortos indolores, o que atrai mulheres adúlteras, irresponsáveis ou que infelizmente, foram vítimas de um estupro). Não é raro, por exemplo, uma princesa de disfarçar e contratar aventureiros para levá-la até as amazonas, tudo para proteger sua boa reputação. Claro que é um desafio encontrá-las, convencê-las e por fim, pagar o que elas exigirem. Obviamente, é um material que demanda maturidade e o grupo certo. Como tudo em Lamentations of the Flame Princess.

Fuja das bárbaras abortistas!
Depois de falar sobre as principais amazonas do cenário (e sua sociedade matriarcal), o livro explora os animais da região, criaturas únicas e os perigos naturais, como avalanches, que chegam a ser tratadas com ficha própria. Os Demônios Afogados saem de rios e lagos congelados para levar suas vítimas para o mesmo destino, mas vão embora se você disser seus nomes verdadeiros. Interessante também notar que existem versões ordinárias de animais, mas também, suas contra-partes sobrenaturais. Por exemplo, o corvo: há o corvo mundano, mas também a nuvem de corvos (que é tratada como uma criatura única e mais poderosa), e o Black Sky que ataca visando ou o olho ou a língua da vítima, com chance de deixar seu personagem cego ou mudo permanentemente. Coisa fina mesmo... E não se deixe enganar: cada troll e gigante do gelo traz uma tabela de poderes únicos da criatura. Seu grupo nunca encontrará dois exemplares iguais desses monstros.

O livro traz várias magias novas

Depois dessa galeria, temos o capítulo Calendário e Mapa que são justamente as ferramentas para seu grupo explorar e o Mestre criar eventos que impulsionem as coisas ao redor deles. Apesar de não trazer um mapa dividido em hexágonos, e sim em retângulos, a mentalidade é a mesma: em cada retângulo, uma entrada que pode trazer informações sobre criaturas nativas, marcos na paisagem e eventos engatilhados ao explorar aquele espaço. Claro, há tabelas para gerar seus próprios encontros aleatórios quando o grupo adentrar uma área não-mapeada. O livro ainda traz duas masmorras completas: a Dim Fortress (algo com a Fortaleza Penumbra), um local extremamente perigoso. Imagine o seguinte: o seu grupo sai de um cenário totalmente branco e cegante e vai para outro, totalmente negro e sem luz. Soa divertido, não é mesmo? Se você possuir o livro Veins of the Earth é capaz de jogar uma campanha inteira só nessa masmorra. A segunda “masmorra” é a Sevenfold Tower (algo como a Torre Dividida em Sete), que é uma oportunidade boa de separar o grupo e testar os pecados capitais com cada um dos integrantes (o livro apresenta alguns testes para tal).

Depois disso, o livro apresenta duas classes novas para seus jogadores: a Amazona Guerreira, que deve selecionar de qual tribo ela vem. Toda vez que ela passar de nível, obtém habilidades especiais, jogadas num D100 e conferindo na tabela referente. A segunda classe é a Bruxa, que consegue ler a pele de serpentes e afins e sempre que passar de nível, obtém uma característica e uma habilidade especial. O livro ainda traz novas magias só para ela, apesar que Magic-Users podem aprender com a permissão do Mestre e devido esforço. Entretanto, o livro indica permitir essas classes apenas depois que o cenário for apresentado.


A próxima sessão apresenta dicas para aventuras num ambiente inóspito, traz novos tipos de materiais e substancias encontradas apenas nesse cenário e dicas para a exploração hexcrawl em geral (leitura obrigatória para amantes de hexcrawl). Para finalizar, como de costume, várias tabelas aleatórias para inspirar e ajudar o Mestre. Há tabelas para criar elementos intrigantes nas aventuras, para criar marcos únicos durante a exploração do grupo, um gerador de tribos únicas bem completo, um gerador de criatura deformadas, de maldições, e até de mortes! Ao invés de falar: “blz, 6 de dano, a amazona morreu”, lance na tabela e obtenha coisas como: “sua espada perfura a amazona e quando puxa a lâmina, ela vem acompanhada do estômago da vítima”. Poesia pura! O livro ainda traz um grupo de NPCs prontos, aventureiros que se perderam ou estão em alguma missão naquele ambiente inóspito. Na verdade, o livro encoraja o seu grupo, encontrar outro grupo. Há uma tabela para criar aleatoriamente os integrantes e suas motivações. 

A Dim Fortress
Por fim, a Terra Devorada é um local perfeito para uma campanha de weird fantasy, pois é uma local que pode ser belo e terrível ao mesmo tempo.  Há árvores que cresceram com a primeira chuva do mundo. Por vales secretos, existem cavalos que nunca foram cavalgados, espíritos de pura sabedoria e outros, prometem poder apenas para corromper os sedentos. Uma brisa refrescante, pode se transformar rapidamente em uma nevasca mortal para um grupo despreparado. Alguns tomos antigos e fragmentos de pergaminhos, atestam que a existência se iniciou ali, mas que ela também se encerrará ali. Seja Loftp, DCC, D&D 5th edition ou outro jogo, experimente colocar seu grupo nessa terra: cada erro será cometido apenas uma vez. 

Abraço a todos e bons jogos.

quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Trabalhando com dados exóticos



OBS: esse é um repost (levemente modificado) de um artigo meu de 2015, em outro blog.

Tudo começou na semana que chegaram meus dados “incomuns” comprados na Amazon (por um sucesso crítico do destino, chegaram pelo frete mais barato em apenas 4 dias!). O conjunto consiste em 14 dados, 7 tradicionais e 7 especiais: d3, d4, d5, d6, d7, d8, d10, d%, d12, d14, d16, d20, d24 e o d30. Eles ganharam força alguns anos atrás com o forte movimento da OSR (cujos representantes gringos atuais mais famosos são o Lamentations of the Flame Princess e o Dungeon Crawl Classics). Para seus idealizadores, fazia parte da brincadeira e da experiência, portando, emular não só o sentimento das aventuras antigas, mas também do seu primeiro contato com aqueles curiosos poliedros. Na época, não jogava nenhum dos jogos citados, por isso, assim que abri o pacote, olhei por um bom tempo os dadinhos e me indaguei: “mas que diabos farei com isso? ”

Portanto, esse texto é uma espécie de reflexão de como esses dados incomuns, podem ser usados em sua mesa. O intuito é apenas fornecer sementes para possíveis house rules. Por exemplo:

Incrementar a margem de dano: seria interessante um ajuste em sua campanha de D&D onde um soco cause 1d3 de dano, uma adaga 1d5, um cajado 1d6, uma maça estrela 1d7, uma espada curta 1d10, uma espada longa 1d12, um mangual 1d14 e um montante 1d16. Não falo de realismo aqui, tenha dó! Vamos nos ater ao raciocínio original do jogo, apenas aplicando um escopo mais amplo no estrago das armas e maior individualidade entre elas.

Esforço heroico: pense em alguma mecânica de “queima de pontos” para melhorar um teste ou dano. Pode ser pontos de fé, pontos heroicos, drama points, mana, força de vontade, seja lá o que o seu sistema utilize. Se o seu machado causa normalmente 1d12 de dano, ao “queimar um ponto”, ele subirá para 1d14 até o final do turno. Se o seu teste será feito usando 1d20, que tal rolar 1d24 no clímax da aventura?

Aprimoramento nas magias: essa idéia marota consiste em aprimorar os efeitos das magias com determinados componentes. Por exemplo, você pode estipular que rubis aumentam o dano de magias de fogo em seu mundo. Pode ser que a pedra se perca na execução do efeito, mas em compensação, o dano que seria 2d6, muda para 2d7. Acho que é uma forma de integrar melhor os componentes mágicos e criaria situações bacanas com o mago do grupo pesquisando sobre diversos materiais e suas propriedades.

“Que arma é essa?”: dados exóticos para armas exóticas, por que não? O grupo se depara com um inimigo desconhecido, com seu próprio arsenal e matéria-prima. Logo, seria interessante eles encontrarem o que poderia parecer uma simples espada curta e depois de um tempo de estudo, descobrir que a arma possui mercúrio líquido dentro dela, o qual altera o equilíbrio e peso da arma, justificando assim, o 1d7 de dano, ao invés do conhecido 1d6. Seguindo um raciocínio parecido, um artefato lendário na forma de um Great Axe por exemplo, poderia causar 1d14, ao invés de 1d12, só porque foi forjado por anões de outrora, que utilizaram técnicas perdidas de têmpera de metais.

Tabelas de encontro aleatório mais orgânicas: imagine que você montou uma tabela de encontros aleatórios para um bosque. Sua tabela de 1d20, possui todos os tipos de inimigos que o grupo pode encontrar na área, mas digamos que ela pode ficar mais interessante, montando uma tabela mais complexa com 1d30, caso o grupo atravesse a mesma região, durante a madrugada. Basta incluir criaturas mais fortes e/ou com hábitos noturnos.

Intimidação: seria interessante também guardar esses dados apenas para os “chefes de fase”, como o general orc do exército inimigo, o gigante que vem assolando a região ou o dragão que guarda o tesouro. O grupo vai se cagar quando descobrir que aquele dragão vermelho ancião não ataca com o D20 e sim com o D30! Hihihi, bom DM tem que tocar o terror mesmo!

Seu próprio jogo: esse kit de dados incomuns pode servir também para inspirar você a criar todo um novo conjunto de regras. Seja para usar em um RPG, num boardgame ou num cardgame. Infelizmente o risco é óbvio: poucas pessoas possuem um conjunto de dados incomuns, mas vale pela experimentação, acredito eu.

Design: se no fim, se tudo falhar, saiba que os dados possuem um desenho único, o que faz chamar a atenção até mesmo dos jogadores experientes. O conjunto ficará bonito em display em sua estante.

Como podem ver, as possibilidades são inúmeras. Como você utilizaria dados esses dados bizarros? Alguma idéia para compartilhar?

Bons jogos a todos!