quinta-feira, 14 de junho de 2018

Resenha: A Red and Pleasant Land



O movimento OSR é incrível por vários motivos, mas gosto de sempre destacar meus dois favoritos: as propostas inusitadas e por serem system-agnostic, ou seja, se não 100% compatível, o material pode ser facilmente utilizado por sua versão (oficial ou não) predileta de Dungeons & Dragons.    

O livro A Red and Pleasant Land (escrito por Zak Smith, o mesmo autor de Vornheim), é um cenário OSR lançado sob o selo Lamentations of the Flame Princess que nos traz uma releitura da Alice de Lewis Carrol, misturado com os vampiros da Transilvânia como os conhecemos. E o resultado é algo assim: intriga na corte, labirintos, jardins secretos, quadros surreais, chão liquido, quebra-cabeças, combate em massa, anomalias na paisagem, quebra de noções temporais e espaciais e criaturas oriundas dos sonhos mais perversos possíveis!

O cenário é Voivodja, um reino que é palco da Slow War, chamada assim por dois motivos: seus comandantes são vampiros, logo, o tempo não representa um fator crucial e por que todo o domínio é recortado por rios, o que impossibilita logística desses governantes e de suas tropas (a questão da água corrente, caso não tenha associado). O Rei Vermelho é o Lorde Vlad Vortigen (analogia óbvia ao Drácula), e a Rainha de Copas é Elizabeth Bathyscape (análoga a nossa Condessa de Sangue). A terceira Casa é liderada pelo Rei Pálido e seu conselheiro, o Chapeleiro Louco, e a quarta Casa pela Rainha Sem Cor de Nephilidia, um reino digno das proles lovecraftianas. O livro descreve cada um dos seus líderes, asseclas, agendas e relações entre si. É esperado que os personagens mergulhem nessas conspirações e obtenham a moeda de troca mais valiosa: informação. Onde jaz determinado artefato, um valioso segredo, um grimório que ensina invocar uma entidade extremamente inconstante e poderosas, etc. O resultado final é um cenário de fantasia em plena guerra fria repleta de elementos góticos e surreais.

Viajar por Voivodja é estranho e perigoso. 
E mais uma novidade: uma classe de personagem inteiramente nova, a Alice. Mulheres dessa classe são chamadas assim, os homens são Alistairs. Essa é uma classe extremamente interessante e única. Iniciando a jornada com certa ingenuidade e despreparo, em contrapartida, aprendem as coisas ao redor com assombrosa rapidez e se tornam com o passar dos níveis, sagazes e atentos. A bem da verdade, esse personagem é vítima de programação/trauma dissociativo (vocês conhecem o MK-ULTRA, certo?), ao ponto dele mesmo desconhecer seu verdadeiro potencial ou no pior cenário, sua própria identidade! Mecanicamente, isso foi traduzido da seguinte forma: uma vez a cada hora real de jogo, a alice pode Exasperar, isso é, declarar (engatilhar) com alguma palavra/frase desesperançada para que o Destino/Deuses (no caso do MK-ULTRA, o seu programador) venha socorrê-la de alguma maneira. Ela pode estar caindo de um precipício e um enorme corvo surgir e agarrá-la. Um bom Mestre, apresenta o NPC-corvo e lhe explica o porquê dele ter vindo buscá-la. Afinal, nenhum favor sair de graça, certo? De maneira orgânica, essa mecânica cria uma miríade de personagens interessantes que poderão interagir futuramente com o grupo. Além disso, a cada vez que a personagem passar de nível, ela rola 1D100 duas vezes, e verifica numa tabela especial, alguma habilidade nova que ela recebe. É uma classe cheia de sabor e que é capaz de criar tanto dentro, quanto fora do jogo, inúmeras situações interessantes. Abaixo, dois outros exemplos de personagens alice na cultura pop: 




Artisticamente, o livro é uma obra-prima no seu sentido mais puro! Capa dura em tecido (remetendo àqueles belos livros infantis de antigamente), marcador de página de tecido preso à costura, diagramação única e criativa (apesar de ter visto alguns blogs gringos achá-la confusa em alguns pontos) e um papel creme, resistente e fosco que facilita a leitura e manuseio. As ilustrações internas são incríveis, pois o traço sujo de Zak deixa sua imaginação completar cada gravura.


O livro traz ainda muitos aspectos e costumes de Voivojda (alguns até com mecânicas próprias), como gerenciar um combate em massa, duelos, julgamentos, jogos, jantares na corte, festas, entre outros. Traz ainda muitas criaturas e tabelas interessantes. Ponto alto para as tabelas de “Relação entre NPCs”, “O que estavam fazendo as pessoas que encontrou?” “Eu revisto o corpo” e as minhas favoritas: “Por onde tem andado?”, utilizada quando um jogador falta uma sessão (pode ter acontecido algo ruim, uma coisa boa, ou simplesmente algo bizarro) e a tabela de “Informações Interceptadas”: se tratando de um cenário de segredos, mistérios e tramas, essa tabela gera missivas que são transportadas o tempo todo para fazer o serviço de inteligência entre as 4 facções. Uma carta pode trazer os próximos passos de uma tropa, os segredos de um nobre, um convite para um baile de máscaras, etc. Uma letrinha alterada que seja, pode trazer consequências drásticas para a Slow War. Tais detalhes são ferramentas incríveis para trazer o dinamismo e as cores que o cenário e a obra original transpiram. 


Saiba, entretanto, que grande parte desse material não fará muito sentido se não leu “Alice no País das Maravilhas” e sua sequência “Através do Espelho”, ou seja, as versões com texto integral e as ilustrações perturbadoras de John Tenniel. A leitura da obra é vital para desenvolver essa narrativa onírica e desconstruída, o real foco de A Red and Pleasant Land. Se ainda precisa de mais uma inspiração para jogar D&D no País das Maravilhas, experimente ler esse material escutando Alice´s Theme por Danny Elfman: 



Abraço a todos e bons jogos!

2 comentários:

  1. Séculos que não jogo RPG mas dá vontade de ter este (e outros livros) só pela beleza física deles. Sem falar na criatividade maluca que é a construção destes mundos =)

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    1. De fato! O movimento OSR tem muita coisa inventiva e inspiradora! Esse livro é um dos representantes mais fortes atualmente (na minha opinião, pelo menos). Abraço e obrigado por ler e comentar.

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