O texto
abaixo contém spoilers do episódio.
“Now Am
Found” marca o season finale dessa terceira temporada de True Detective. Nos
trazendo um desfecho fora da caixa, que se esquiva de clichês e exigindo uma percepção além dos nossos olhos, para decifrá-lo. Tratamento esse, bem-vindo para o gênero,
na minha opinião. Enquanto assistia, estava achando o episódio arrastado, mas
quando ele engrena com as respostas, o discurso metafísico e o clima onírico,
percebe-se que estamos diante de uma obra rara.
Nesses
últimos passos, acompanhamos os detetives no rastro de Junius Watts, o negro
cego de um olho que serviu quase toda a vida à família Hoyt. A história que ele
conta é a verdade mais rasa: aos olhos dos ingênuos, ele pode soar até triste. Quando
a matriarca da família perde sua filha e marido em um acidente de carro, seu
pesadelo tem inicio. A base de lithium,
a única coisa que a tira do torpor é a visão de Julie, cuja aparência lembrava
bastante a filha perdida. Logo, Lucy (a mãe verdadeira), começa a receber
dinheiro dos Hoyt para que Julie passasse um tempo com a matriarca no bosque.
Isso se
tornou uma verdadeira obsessão, e então eles decidem raptar a pequena Julie,
que Isabelle continuava a chamar insistentemente de Mary. Quando Will tenta
evitar o sequestro da irmã, Junius Watts, o empurra, esmagando a cabeça dele
contra uma pedra. A família Hoyts então, paga para Harris James encobrir a
morte do menino e plantar pistas falsas. Além disso, é possível assumir que ele
é o responsável por matar Dan O´Brien, Tom Purcell e até Lucy, aparando todas
as possíveis “pontas soltas”.
A partir desse ponto, tudo dá errado no plano de
Isabelle, que mantinha Julie drogada e dissociada, tentando programar a menina
para acreditar ser Mary do Castelo e do Quarto Rosa, culminando no suicídio de
Isabelle, quando Julie foge. A porta foi deixada aberta naquela noite por Watts,
por pena. Anos depois, Junius ainda vai atrás de Julie para saber como ela
estava, mas seus rastros terminam no convento de freiras, onde Julie
aparentemente faleceu, vitima de HIV.
Esse é o
final “oficial”. Mas Amelia, que definitivamente é a investigadora-chave do
caso, surge para o velho Wayne e indaga: “Mas e se esse final, não for o verdadeiro
final?” Perceba que Amelia é crucial não na investigação pura e simples, mas na
obtenção da verdade. Ela é o avatar da memória perdida de Wayne Hays, ele teve
que deixar seu orgulho de lado, ler a obra da esposa, para entender que ela havia
deixado as peças perdidas, ali para ele. E essa verdade, canalizada por ela, continua
com o menino Mike Ardoin, que era amigo próximo de Julie na infância e a
reencontra no convento. Ele é o menino que acena para Julie antes dela desaparecer
nos anos 80. E seu pai, já nos anos 90, trabalhava como paisagista do convento.
Amelia então fecha a história para o velho Wayne. Lhe dando a última peça do
quebra-cabeça. Peça essa, encontrada, quando Wayne dirige até o endereço de
Mike Ardoin e se depara com Julie crescida e sua filha, levando uma vida idílica.
Um final feliz no final das contas. Justamente na hora em que sua mente o
abandona. O papel com o endereço fica nas mãos de Henry, o filho policial de
Wayne, logo cabe a ele decidir o que fazer com a última peça do caso. Seu pai, já fez a escolha.
Nota-se
também que esse, é um episódio de redenção, tema importante no gênero: redenção
quando os detetives decidem não matar e nem prender Junius Watts (erro que
cometeram com Harris e os assombraram para sempre), redenção quando Wayne
decide deixar Julie vivendo sua vida em paz (sem levar o desfecho real do caso,
para a mídia) e redenção para Roland que é um personagem trágico como o Roland
do poema de Robert Browning. Se nos primeiros episódios, ele queria atirar em
um bichinho no ferro-velho, agora ele se redime ao acolher um cachorro de rua e
muitos outros (como vimos). Deixando a maldade e o niilismo para trás. Falando em Roland, seu innuendo homossexual está bem visível nesse episódio final,
mostrando sua frustração quando Wayne abandona o caso no final dos anos 90, e do
afastamento do amigo, sugerindo uma atração platônica pelo parceiro.
Por fim, o
desfecho dessa temporada também rima com o final da primeira. O caso é
encerrado para as autoridades, mas não para nossos detetives que sabem da
verdade. O mal ainda espreita, o Rei de Amarelo ainda está lá, mas ao invés de
cair na agenda niilista tão em alta, o discurso da série oferece conforto para
Wayne e conexão entre os detetives. A vida é um quebra-cabeças, a passagem do
tempo uma ilusão e talvez nossos olhos podem ser enganados, mas não o nosso
coração. Justamente a pauta elaborada por Rust Cohle lá atrás.
A cena final
é linda: onírica e simbólica, onde a câmera nos guia para dentro da mente de
Wayne. Que por sua vez, é levado por Amelia para atravessar o limiar entre a
vida e a morte. Mas o tempo não é linear, lembra? Por isso ela também fecha com
Wayne no Vietnã. Será que é ali que ele mata os homens que o assombraram? Será
até mesmo, que ele morreu ali? Como e quando, Amelia morreu? Simplesmente não importa.
Essa metafísica bem executada, é o que torna True Detective um dos seriados mais
intrigantes da atualidade. Que venha a quarta temporada.
Abraço a
todos!