sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Aventura do RPG no Brasil - Tagmar

Enquanto livros-jogos e GURPS chegavam traduzidos ao Brasil no início dos anos 1990, as únicas opções para jogadores que queriam um sistema e um mundo de fantasia medieval clássica eram as versões importadas de D&D. Vindas de Portugal ou dos Estados Unidos, essas versões eram trazidas por quem morava lá fora e divididas entre amigos através das fotocopiadoras e máquinas de xerox da época. Isso garantiu a essa geração de jogadores o apelido de "Geração Xerox".

Esse cenário começou a mudar ainda em 1991, quando um grupo de amigos do Rio de Janeiro criou Tagmar, o primeiro RPG nacional.

A caixa da primeira edição de Tagmar!
Apesar do lançamento em 1991, a história do Tagmar começa anos antes, em 1985. Nesse ano, Marcelo Rodrigues, um dos criadores do jogo, começou a jogar RPG e conheceu Ygor Moraes. Depois de anos jogando, a ideia de fazer um jogo começou a ficar madura na cabeça de ambos.

"O Tagmar nasce da ideia minha e do Ygor. A gente jogava muito RPG e olhando como um engenheiro eu vi que a mecânica não era nada demais. Aí eu disse: se a gente lançar um RPG, a gente tá sozinho no mercado. Na época ainda tinha muita reserva de mercado, não chegava RPG no Brasil." (Marcelo Rodrigues em entrevista para o canal Dungeon 90 - Link)

Com essa decisão tomada, Marcelo e Ygor começaram a desenvolver o jogo, mas logo descobriram que fazer a parte mecânica do sistema era a coisa mais simples. Os maiores desafios estariam em fazer o restante do livro acontecer.

"Se você olhar a primeira caixa, você não vai ver só o logo da GSA, vai achar o nome de outra editora: Art Bureau. Era a editora da mãe de um amigo nosso. A gente não tinha uma empresa, então a gente lançou com o nome dela. Só depois que esgotou a primeira edição que a gente abriu a empresa mesmo." (Marcelo Rodrigues em entrevista para o canal Dungeon 90 - Link)

Além dessa "dificuldade editorial", também ocorreram alguns problemas gráficos com as primeiras versões dos livros.

"A gente percebeu que a capa da primeira tiragem sujava e ficava feia. Então, quando fomos imprimir a segunda nós pedimos para plastificar. E essa era a famosa edição 'auto-destrutiva'. Ela não era grampeada. Ela foi impressa numa impressora A4 e o que segurava as folhas é só uma cola. Na segunda edição que nós botamos dois grampos." (Marcelo Rodrigues em entrevista para o canal Dungeon 90 - Link)

A segunda edição do jogo
Outra dificuldade encontrada foi criar o universo de Tagmar. Porque o livro não poderia ser feito só com regras.

"Ygor e eu demoramos dois anos pra fazer todas as tabelas e regras. Aí descobrimos que o mais difícil não é criar as regras. Difícil é escrever o texto. Quando chegou no capítulo de magias a gente chamou o Júlio e veio mais uma pessoa, o Sérgio. E aí entrou o Leonardo, que escreveu a parte de ambientação e revisava tudo." (Marcelo Rodrigues em entrevista para o canal Dunegon 90 - Link)

Com mais de dez mil cópias vendidas, Tagmar foi um grande sucesso, mas infelizmente foi descontinuado quando a GSA fechou as portas em 1997. Mas, em 2004, o jogo e o cenário ressurgem com Tagmar II, um projeto inspirado na licença creative commons.

"Eu juntei os autores e pedi autorização para liberar os direitos. Aí a gente montou um projeto baseado na experiência de software livre. O material é criado de forma coletiva e vai pra uma discussão. A gente vota e aí o material é oficializado." (Marcelo Rodrigues em entrevista para o canal Dungeon 90 - Link)

Os livros do novo projeto estão disponíveis gratuitamente no site oficial do projeto. Além disso, também é possível se cadastrar para colaborar com a iniciativa.

PS: O Ranieri já fez um baita texto sobre Tagmar aqui no blog. Podem ler que vale a pena.

quinta-feira, 23 de agosto de 2018

House Rules: Justas em D&D 5a edição




Seja em casamentos, campeonatos entre reinos, festivais comemorativos (como um feriado ou nascimento de um príncipe), os jogos são os atrativos nesses eventos. E na minha opinião, o mais emocionante deles é a justa! Delas, nascem as lendas propagadas pelos bardos: heróis honrados, cavaleiros misteriosos ou mesmo vilões detestáveis. Mas não se enganem: justas podem ser mortais também!

Apresento hoje, uma house rule que tenta emular a emoção de uma justa. Falar que estou tentando simplificar não sei se seria verdade, mas testei aqui em casa e pareceu funcionar muito bem. Pensei nela em 3 sistemas: D&D 5a edição, Dungeon Crawl Classics e AD&D, mas hoje apresento elas destinadas especificamente para o D&D 5a edição. Em breve, trarei para os outros dois sistemas. O importante aqui é pensar na justa, como um mini-game.

Sendo assim, o que as regras para justa devem expressar? Levei em conta o seguinte:

- Na justa, os cavaleiros se atacam simultaneamente.
- A justa é perigosa e heroica. Deve haver uma chance de ferimento marcante.
- A ação deve ser resolvida rapidamente, para emular o ímpeto da justa.
- As regras devem favorecer (pelo menos em algum ponto), ao cavaleiro mais experiente.

Logo, a estruturação da justa, em termos mecânicos, ficou assim:

Equipamento obrigatório para o embate: Plate Mail (o que inclui o elmo), lança de justa (Lance no Player´s Handbook) e Escudo. Todos os personagens devem arcar com esses gastos, até mesmo lanças sobressalentes (ao menos que esse equipamento todo seja patrocinado ou emprestado).

1a etapa: Apresentação

Os cavaleiros se posicionam no extremo do campo e se apresentam, brandando nome, alcunha, linhagem e até feitos dignos de nota, afim de serem ovacionados pela plateia. Os personagens podem testar Carisma para tentar ganhar apoio moral. Caso passem nesse teste (CD14 ou CD10 se estiver em sua terra natal), recebem bônus de 2 na próxima fase (Carga).  

OBS: alguns cavaleiros, por inúmeros motivos, podem desejar ocultar sua identidade (o misterioso Cavaleiro Negro). Logo, não podem realizar o teste de apoio moral.

2a etapa: Carga

Os personagens com lanças de justa posicionadas, avançam um contra o outro. Quem estiver mais firme no cavalo e atingir com precisão, vencerá. Para tal, os jogadores lançam simultaneamente seus dados.

1d20 + Proficiência + 1d12 (que é o dano da lança de acordo com o livro básico)

ESPECIAL: se o personagem possuir o talento Mounted Combatant, ele soma 2 nessa rolagem.

3a etapa: Impacto

Exemplo: Jogador A obtém um valor 26. Seu oponente obteve um 22. Ou seja, o jogador A venceu por uma diferença de 4 pontos. Logo, olhando o efeito na tabela, ele quebra a lança no escudo do oponente e a plateia vibra! Recebe de um ajudante (ou escudeiro), uma nova lança e retoma a justa. Uma nova etapa de Carga se inicia imediatamente!

Diferença entre os resultados
Efeito
1 – 5
O vencedor da disputa quebra a lança no escudo do oponente. Ele recebe uma nova lança e ambos retomam a posição para nova investida.
6 – 8
O vencedor da disputa atinge o oponente na armadura(deve passar num Save de Destreza CD 14 para não cair do cavalo*)
9 – 10
O vencedor da disputa atinge o oponente no elmo que é rachado no processo (deve passar num Save de Destreza CD 18 para não cair*)
11 -15
O cavaleiro atingido cai imediatamente.
16 ou mais
O cavaleiro atingido cai imediatamente e ainda recebe ferimento marcante (ver abaixo)

ESPECIAL: novamente, se o personagem tiver o talento Mounted Combatant, ele recebe +2 nesse teste de resistência de Destreza para não cair da montaria.

4a etapa: Resultado

O personagem que cair do cavalo perde a disputa, sendo eliminado do torneio, além disso, já fica automaticamente com nível 2 de Fatigado (Exhaustion), que lhe dá Desvantagem em testes de atributo e reduz sua movimentação pela metade. Isso representa que ele está dolorido e mancando devido a queda.

Além disso, se recebeu um Ferimento Marcante, ficará também, desacordado. E durante os dias vindouros, deverá receber ajuda para se recuperar desse estado. Em termos de regra é o avanço de nível da Fadiga. Ou seja, devido os ferimentos, o personagem pode até mesmo vir a falecer (se chegar no nível 6 de Exhaustion). Dentro da história, isso ocorrerá diariamente, tendo em vista que o personagem realiza um teste de Constituição a cada novo amanhecer. Uma falha, ele avança na tabela, no caso de um sucesso, seu estado começa a melhorar. Tratamentos por um especialista e/ou unguentos podem ajudá-lo nesse processo e seus efeitos ficam a cargo do Mestre.

Desclassificações automáticas

Acertar o cavalo do oponente, uso de magias, usar uma lança alterada por qualquer meio ou fazer a carga muito tarde ou muito cedo, caracterizam desclassificação imediata.

EXTRA: Sementes de aventuras

Algumas consequências do torneio podem ser geradas na tabela abaixo, basta jogar 1d10:

1 – Uma donzela fica apaixonada por um dos personagens.
2 – Um NPC tentar se tornar mecenas de um dos personagens. Durante o processo, ele pode se mostrar justo e honrado, ou vil e arrogante.
3 – O cavalo do personagem se torna extremamente valioso. Muitos nobres oferecem o triplo (ou mais) pela montaria.
4 – Um jovem escudeiro aborda o personagem, pedindo para que o treine. Mesmo que o personagem tenha perdido na justa, ele ficou admirado com as técnicas empregadas.
5 – Um nobre envia uma carta para que o encontre numa estalagem cara no distrito nobre essa noite. Ele tem alguma proposta para o personagem.
6 – Um NPC passa a seguir o personagem. Ele na verdade acha que o personagem é um outro cavaleiro, que competiu anos atrás ali. Isso pode ser bom ou ruim...
7 – Um dos rivais do personagem no campeonato, torna-se vingativo. Num momento propício, ele ataca o personagem com um grupo de capangas.
8 – O personagem é apresentado a um ferreiro chamado Asba que oferece de fazer novas armas e armaduras com preços competitivos, basta usar o emblema desse ferreiro.
9 -  O personagem recebe convite para participar de um torneio numa terra distante e exótica. A jornada em si pode ser uma aventura a parte, mas chegando lá, descobre que o torneio tem regras tão exóticas quanto o povo.
10 – O personagem é procurado por um bardo. A índole dele é deixada para o Mestre decidir. Ele pode ter boas intenções e querer ficar famoso junto com o personagem ou começar a difamar ou alterar os feitos do personagem. 

Por fim, essas foram as minhas regras de Justa pra D&D 5a edição. Eu sei que envolve muitas tabelas, mas eu gosto: definitivamente sou fruto dos RPGs dos anos 90! Além disso, pode te inspirar para criar suas próprias regras também. Compartilhe sua opinião aqui no blog.

Abraço a todos e bons jogos!

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Aventura do RPG no Brasil - GURPS

Como vimos anteriormente, a virada da década de 1980 para a de 1990 foi quando os RPGs começaram a chegar "oficialmente" aqui no Brasil. Esse movimento, que começou com os livros jogos, logo se estendeu para sistemas de RPG com a chegada do GURPS.
A capa era meio feia, mas foi o primeiro GURPS aqui no Brasil.
Criado em 1986 por Steve Jackson (não o de Aventuras Fantásticas), GURPS veio para preencher uma lacuna no mercado de RPGs. O sistema foi um dos primeiros a usar regras genéricas e flexíveis para simular qualquer tipo de aventura. Essa ideia foi muito bem recebida no mercado americano e não demorou para o sucesso de GURPS chegar ao Brasil.

Mas não é possível falar sobre a chegada do GURPS no Brasil sem falar sobre uma pessoa e uma editora: Douglas Quinta Reis e a Devir.

Douglas fundou a Devir em 1987 como uma importadora e distribuidora de quadrinhos, mas a editora logo expandiu seus negócios e começou a trazer revistas de RPG para o mercado brasileiro.

"A gente descobriu que existia uma coisa chamada RPG. Começamos a importar a Dragon e a Dungeon, revistas de Dungeons & Dragons, e percebemos que em alguns lugares aquelas revistas vendiam. Então começamos a anotar onde elas vendiam bem." (Douglas Quinta Reis em entrevista para o canal Novo Nerd - Link)

Conhecendo o mercado, naturalmente, a decisão da Devir foi tentar produzir conteúdo nacional de RPG. Esse projeto acabou não decolando e a ideia de trazer mais RPGs para o Brasil só foi se materializar mais tarde. Muito por causa de um autor que todos devem conhecer: George R. R. Martin.

"Eu estava escrevendo um texto pro Recado, um boletim que a gente fazia semanal, e tinha que falar sobre uma série de ficção científica chamada Wild Cards. E procurando material pra escrever o boletim eu descobri que existia um jogo baseado no Wild Cards, e era um suplemento do GURPS. Entrei em contato com a editora e eles mandaram uma caixa de livros de GURPS." (Douglas Quinta Reis em entrevista para o canal Novo Nerd - Link)

Com todo esse material em mãos, Douglas convenceu seus colegas de editora a trazer o GURPS para o Brasil e fechou o acordo para traduzir o sistema. Tarefa que realizou pessoalmente, criando muitos dos termos que o hobby conhece hoje.

As vendas de GURPS começaram devagar, mas a Devir logo trouxe mais material. GURPS Fantasy, GURPS Magia, GURPS Cyberpunk e GURPS Supers vieram nos anos seguintes e solidificaram a importância e a influência do sistema no Brasil.

"Quando a gente fez o GURPS Supers conversamos com Steve Jackson pra já colocar o Wild Cards por que a gente queria que tivesse não só as regras, mas um cenário também. E eu posso dizer que fui a primeira pessoa no Brasil a publicar George Martin." (Douglas Quinta Reis em entrevista para o canal Novo Nerd - Link)

Atualmente a Devir não trabalha mais com GURPS e o jogo não tem mais uma representação oficial no Brasil.

Essa coluna também é minha forma de homenagear a vida e o trabalho de Douglas Quinta Reis. Ele faleceu em outubro de 2017. O mercado editorial brasileiro definitivamente perde muito sem a presença de um dos maiores pioneiros da cultura geek no país.

Sem ele, muito desse mercado não existiria.

Por hoje é só, amigos. Quem quiser ler mais sobre GURPS, o Ranieri fez um baita texto aqui mesmo no blog que pode ser lido nesse link. Abraços e até a próxima, quando vamos falar do primeiro sistema de RPG genuinamente brasileiro.

quinta-feira, 9 de agosto de 2018

Aventura do RPG no Brasil - As Aventuras Fantásticas

Como vimos em nossa última coluna, a série Lobo Solitário foi a pioneira em trazer o RPG para o Brasil em 1989. Apesar desse pioneirismo, ela não emplacou por aqui e poucos se lembram dela hoje. Foi no ano seguinte que chegou ao Brasil a série que iria popularizar de vez os livros-jogos e o RPG no país: Aventuras Fantásticas (Fighting Fantasy)

Olha aí que logo bonito!
Criada na Inglaterra por Steve Jackson e Ian Livingstone, a série Aventuras Fantásticas começou a ser publicada originalmente em 1982 com o livro The Warlock of Firetop Mountain. A série fez sucesso em seu país natal e logo começou a ser exportada e traduzida, chegando no Brasil em 1990 pela editora Marques Saraiva com o lançamento de A cidadela do Caos, o segundo livro da série (vai entender).

Olha a capa do primeiro livro aí
A mecânica e o formato inovadores fizeram com que a série logo caísse no gosto popular. Como disse Marcelo Cassaro em um texto na quarta edição da Dragão Brasil.

"O público brasileiro adorou a novidade. Resultado: a série Aventuras Fantásticas, além de tornar-se um tremendo sucesso de vendas, abriu caminho para a invasão em larga escala de outros RPGs - como Dungeons & Dragons e GURPS." (Dragão Brasil #4)

Uma prova disso pode ser vista na quantidade de lançamentos que a série teve em pouco tempo no mercado brasileiro, como conta o pesquisador Thomas Massao Fairchild em sua tese de doutorado.

"Pelo que indica uma propaganda da livraria Forbidden Planet, em 1994 a série Aventuras Fantásticas contava com 19 títulos." (Thomas Massao Fairchild - Link para Download)

Com toda essa popularidade, não é surpresa que a série Aventuras Fantásticas tenha sido o primeiro contato de muitas pessoas com o RPG (inclusive o meu). Até hoje me lembro de quando revirei um armário dos meus pais e acabei dando de cara com o livro Floresta da Destruição. Comecei a ler e fui fisgado na mesma hora.

O sucesso da série ainda levaria a Marques Saraiva a lançar outros livros do universo onde a série se passava, como os livros Titan - O Mundo de Aventuras Fantásticas, Out of the Pit - Saídos do Inferno e dois romances: As Crônicas de Trolltooth e Demonstealer - O Ladrão Demônio.

Atualmente, a série Aventuras Fantásticas está sendo publicada pela Editora Jambô desde 2009 e já conta com vinte edições, incluindo alguns títulos que ainda não haviam sido lançados no Brasil.

E vamos ficar por aqui, amigos. Sei que ainda temos assunto para falar sobre a série Aventuras Fantásticas e seus lançamentos no Brasil, mas eles ficam para uma próxima coluna.

E preparem-se, porque na próxima semana nós vamos falar sobre o primeiro grande sistema de RPG gringo a ser traduzido para nosso idioma: GURPS!

Abraços e até lá.

PS: O canal do youtube Dungeon 90 tem um vídeo muito bom sobre a série Aventuras Fantásticas. Quem quiser ver, é só clicar aqui.

segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Nostalgia: Marvel Super Heroes RPG



 Infelizmente, nos meus “tempos áureos de RPG” (leia-se: anos 90), não tive a oportunidade de jogar o Marvel Super Heroes. Quando nos aventurávamos no gênero, eu recorria ao DC HEROES (resenhado aqui) ou mesmo o GURPS Supers (ambos funcionam com compras de habilidades por pontos, diga-se de passagem). Entretanto, o Marvel Super Heroes me marcou mesmo assim, pois um amigo de escola, relatava com muita emoção as sessões que jogava com o primo dele, bem mais velho que a gente. Pelos relatos, eu idealizava aquela oportunidade de jogar um RPG oficial da Marvel. Naqueles relatos empolgados, ele descrevia que o jogo vinha com mapas, com miniaturas, e permitia até mesmo, criar seu personagem para lutar lado a lado com o Homem-Aranha ou mesmo integrar a equipe dos Vingadores.

Cartões de inúmeros heróis. Atrás deles, vinham as estatísticas.

100 miniaturas de papel!
Só muitos anos depois, consegui comprar a caixa básica revisada, lançada pela saudosa TSR em 1991 e pasmem: Marvel Super Heroes RPG é incrível até hoje! Com uma vibrante caixa, o jogo trazia um Rule Book de 64 páginas, um Campaign Book de 64 páginas (contendo a ficha e background de 80 personagens, entre heróis e vilões), 2 mapas-poster de cenários urbanos, 7 cartelas contendo 55 heróis prontos (para serem usados como ficha de consulta rápida para os jogadores), 5 cartelas de miniaturas destacáveis (cerca de 100 delas) e por último, 2 dados de 10 faces, os únicos usados nesse jogo, criado pelo inventivo Jeff Grubb.

Dependendo da origem, seu personagem sofre alguns ajustes na ficha.
Marvel Super Heroes fez grande sucesso e até hoje possui uma comunidade engajada de fãs, que atualizam as estatísticas dos heróis Marvel, elaboram softwares de criação de personagem, adaptações de heróis de outras editoras, entre outras coisas. E quanto ao sistema usado nesse RPG? Conhecido como FASERIP (um acrônimo dos atributos: Fighting, Agility, Strength, Endurance, Reason, Intuition and Psyche), o sistema trabalha com níveis descritores. Temos em ordem crescente: Feeble, Poor, Typical, Good, Excellent, Remarkable, Incredible, Amazing, Monstrous e Unearthly. Na criação de personagem, joga-se 1d100 (combinando os 2 dados de 10 faces como dezena e unidade) e obtém-se os valores e os descritores de cada um desses atributos primários. Se você possui uma Strength em nível Good, vai fazer seu teste na Tabela Universal nessa coluna e verificar o resultado. Que pode ser branco (sempre uma falha), verde (sucesso para uma tarefa normal), amarelo (para uma tarefa complexa) e vermelho (para tarefas quase impossíveis). Quem jogou Tagmar, não terá problema algum com essa tabela.

Para definir sua Saúde, o jogador soma os 4 primeiros atributos principais. Para definir Karma, soma-se os 3 últimos. Karma funciona como duas coisas: esforço heroico e pontos de experiência. Antes de realizar um FEAT (como os testes são chamados), o jogador anuncia que irá gastar Karma. Ele lança os dados e o Juiz (como o Mestre é denominado aqui) verifica onde ele ficou na tabela. O quanto faltar para ele alcançar a próxima COR, será a quantidade de Karma que ele irá “queimar”. Além disso, o jogador pode simplesmente acumular esses pontos para aprimorar um atributo primário ou secundário. Cada um com custos diferenciados. Obviamente, o livro indica que esse aprimoramento deve ser justificado dentro da história. Por exemplo, se o seu personagem deseja aumentar sua habilidade Fighting, provavelmente ele encontrou um mestre de artes marciais. Ou quem sabe, aprendeu um novo e secreto estilo de luta? Pode ser até mesmo que ele obteve novas armas. Você decide como.

A Tabela Universal facilita a vida do Juiz!
 A genialidade do sistema é justamente a Tabela Universal, pois ela é abstrata de propósito. O autor é feliz em partir do princípio que o gênero Supers demanda a superação de várias situações inusitadas: desde arrombar uma porta de aço, até mesmo voar para alcançar um jato. Logo, vamos dizer que o Aranha deseja derrubar uma porta de aço reforçado. A Strength do Aranha é Incredible (logo Rank 40) e como o Juiz está dizendo que o material da porta é reforçado, ele faz o ajuste de 1 na coluna. Ou seja, o Aranha fará o teste, uma coluna abaixo, que é Remarkable (Rank 30). Se a porta fosse de madeira podre de uma cabana, o Juiz poderia facilitar a vida do herói e ajustar pra cima na tabela, fazendo o teste como Amazing (Rank 50). Essa mecânica é usada para tudo no FASERIP. Pense na Vantagem/Desvantagem do D&D 5th edition, mas uma na qual você consegue operar em vários níveis, saca? Além disso, essa mesma escala e tabela é usada para a qualidade de veículos e armas, por exemplo. Assim sendo, um rifle militar pode ser considerado Remarkable (Rank 30), um rifle experimental roubado de um laboratório STARK, pode ser considerado Amazing (Rank 50).   

Além de Saúde e Karma, temos mais dois atributos voláteis: Recursos e Popularidade (mutantes iniciam o jogo com 0, pelo preconceito trabalhado nas HQs). Recursos é testado quando o jogador pretende comprar alguma coisa. Dependendo do bem desejado, o Juiz ajusta o teste na Tabela Universal. Desde ingressos para o teatro, passando pelo aluguel do mês, até um helicóptero. Uma medida charmosa e prática como alternativa de ficar calculando quantos dólares o seu personagem possui. Popularidade, por sua vez, é testado sempre que o personagem necessitar de auxilio do povo: um carro emprestado, uma testemunha manter algum segredo, algum policial entregar alguma informação exclusiva, etc. Inúmeros fatores na sessão de jogo, irão influenciar esses atributos voláteis, negativo ou positivamente. 

Apesar de todas as qualidades mencionadas, muita gente aponta um grande “defeito” do jogo: que é a criação de personagem, digamos, 90% aleatória. Na verdade, eu gosto disso: nada de builds, nada de combos. O designer do jogo partiu do princípio que a gênese de todos aqueles super-heróis foram acidentais em sua totalidade (ou nasceram assim no caso dos mutantes) e essa criação de personagem tenta emular justamente isso. Para o gênero e para o tom “quatro cores” que desejo na mesa, não é nem de longe um problema. Isso faz do Marvel Super Heroes, um incrível e genuíno RPG old school!

OBS: meu Basic Set ainda veio de brinde, o suplemento “1992 Character Updates”. Em suas 128 páginas, trazia folhas já furadas para encaixar em seu fichário e criar um verdadeiro “banco de dados” tanto de heróis quanto de vilões. A TSR lançou vários suplementos nessa linha, trazendo atualizações de eventos e poderes de inúmeros personagens e grupos. Além dessa linha, ainda publicou aventuras prontas, caixas específicas de determinados grupos, livros-jogos e até miniaturas de chumbo. Falando em miniaturas, o jogo funciona muito bem usando as peças de Heroclix. 

Várias informações sobre a SHIELD, a HYDRA e inúmeros outros personagens!
    
 Ainda poderia falar de como jogar campanhas mais sombrias com esse jogo e os leves ajustes no sistema para tal, mas isso fica para um próximo post. Se quiser dar um tom narrativista para o jogo, basta usar os níveis de cor da Tabela Universal e estabelecer o seguinte: branco (falha total), verde (sucesso com desvantagem), amarelo (sucesso total) e vermelho (sucesso com vantagem). Por fim, seguido de perto pelo DC Heroes e Gurps Supers, Marvel Super Heroes para mim, é a opção mais divertida e refinada para se aventurar no mundo dos super-herois. É um sistema que vai funcionar muito bem para seus jogadores frustrarem um assalto a banco, ajudarem os Morlocks nos esgotos, entrarem para o Instituto Xavier, explorarem a Ilha Monstro a procura de um laboratório secreto ou mesmo impedirem a chegada de Galactus! 

Abraço a todos e bons jogos.